sábado, 26 de janeiro de 2013

O Amor de Camilo Pessanha. António Osório. «Porque os contos de fadas, citando Italo Calvino, não só são verdadeiros, não constituem apenas uma explicação geral de vida, oriunda de tempos remotos: exprimem sobretudo a substância unitária de tudo…»

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Canção da Partida
[…]
quem vai embarcar, que vai degredado,
as penas do amor não queria levar…
Marujos, erguei o cofre pesado,
lançai-o ao mar

E hei-de mercar um fecho de prata.
O meu coração é o cofre selado.
A sete chaves: tem dentro uma carta…
- A última, de antes do teu noivado.
[…]
Camilo Pessanha

Ana de Castro e o Salvamento da Clepsydra
«Em suma, obra notável, pela amplitude da recolha e beleza do estilo, claro, imaginoso, cingido à inventiva e ao falar do nosso povo, que reaparece numa cadeia milenar de gerações, não perde no confronto com as Fiabe Italiane (1956) de Italo Calvino, há pouco traduzidas entre nós. Pena é que as nossas fiabe não se encontrem também disponíveis numa edição correspondente à sua importância de clássico da literatura portuguesa para as crianças e os jovens. Porque os contos de fadas, citando Italo Calvino, não só são verdadeiros, não constituem apenas uma explicação geral de vida, oriunda de tempos remotos: exprimem sobretudo a substância unitária de tudo, homens, animais, plantas e coisas, a infinita possibilidade de metamorfose do que existe. E eis o que faz deles mágicos, fascinantes e ainda, por essa via, proveitosas obras de arte, que encantam e ao mesmo tempo educam.

Depois de muitos anos de investigação, Fátima Ribeiro Medeiros, mestre em Literatura Comparada pela Universidade Nova de Lisboa, acaba de publicar Do Fruto à Raiz - Uma Introdução às Histórias Maravilhosas da Tradição Popular Portuguesa Recolhidas e Recontadas por Ana de Casto Osório, que constitui o melhor estudo sobre a sua obra para a infância. Embora antes dela outros autores tenham já tentado aproximar a criança do conto tradicional, esse foi o grande trabalho literário da sua vida; e fá-lo numa linguagem muito cuidada mas simples, com algumas expressões que continuam na boca do povo, e um saber que se vai transmitindo de geração em geração. As suas histórias tinham como objectivo, continua Fátima Ribeiro de Medeiros, educar e alegrar as crianças.
Sobre as rescritas literárias de Ana de Castro Osório, a investigadora usa a feliz metáfora da viagem:
  • Viajar... um sonho de todos. A criança sonha com a viagem, viaja sonhando... Os contos infantis transportam-na para paragens e épocas longínquas, são pontos de passagem de um itinerário que só vai terminar quando estiver concluído, isto é, quando o leitor perceber que já é adulto. A leitura é ela própria uma viagem. Viajando de página em página, o leitor vai descobrindo o prazer do texto. Terminado o livro, terminou a viagem.
Ouçamos a própria Ana de Castro Osório sobre a sua arte de contar para as crianças:
  • A criança não gosta que a não tomem a sério e se lhe contem histórias com o ar de quem diz uma coisa sem importância, e tudo vem a seu tempo. Como detesta a imposição duma noção pedantesca da moral, que para o ser tem de ressaltar dos próprios elementos da vida e seu corolário por ela própria tirado dos factos expostos.
No entanto, há outro aspecto praticamente desconhecido da actividade da escritora. Dedicou-se durante anos à recolha de rimas da primeira infância por ela coleccionadas e comentadas, no Diário de Coimbra, onde colaborava na coluna O Lugar das Mães. Essas rimas da primeira infância, por exemplo, Lagarto pintado / quem te pintou? - Foi uma velha/ que por aqui passou; Era uma vez / um gato maltez, tocava piano, falava fancês, educam o miúdo, comenta a pedagoga, disciplinam a memória e animam a criança num jogo alegre em que toma parte directa. A missão das educadoras da primeira infância, que em toda a parte onde a pedagogia é um estudo sério são apreciadas e pagas pelo justo valor, porque é quase um dom de Deus....
Entre estas criações orais, destaca as rimas para decorar e parlendas, para os meninos cantarem Papagaio loiro / do bico doirado /, leva-me esta carta / ao meu namorado /, Ele não é frade, nem homem casado/, é rapaz solteiro, lindo como um cravo. E também para fazer rir a criança, que necessita de sentir muita alegria e boa disposição em todos que a rodeiam; e não menos importantes, as rimas de jogos e danças, porquanto na sua necessidade de movimento, de alegria e de ritmo, que a criança reclama, têm papel muito importante os jogos, tanto os de movimento como os de palavras e danças de roda, que tanto as animam colectivamente...» In António Osório, O Amor de Camilo Pessanha, edições ELO, obra apoiada pela Fundação Oriente, colecção de Poesia e Ensaio, Linha de Água, 2005, ISBN 972-8753-43-8.


Cortesia da F. Oriente/Linha de Água/JDACT