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«Embora possa surgir
como um contexto circunstancial, à semelhança do que vinha acontecendo um pouco
por toda a Europa, também em Portugal começou a fazer-se sentir uma crescente
afirmação burguesa de carácter iluminista, afirmação que
encontrará, pelo menos em parte, resposta na ambígua política promovida pelo marquês
de Pombal (1699-1782) a partir de meados do século XVIII. Esta política, despótica
mas programaticamente esclarecida, veio reformar a anterior
estabilidade e hierarquização da vida nacional e da sua corte, iniciando, apesar
de se fundamentar sobre uma ordem absoluta, uma transição
voluntariosa entre a anterior ordem de fundamentação aristocrática e clerical
e uma nova sensibilidade social, que implicava a ...afirmação
plena do individualismo, a perspectivação teórica da liberdade, o entendimento
do progresso como eixo de uma teleologia liberal..., que a começava a
transformar estruturalmente, processo que fundamenta a emergência da sociedade
burguesa que se assumirá com os novos regimes liberais e capitalistas.
As reformas, promovidas paradoxalmente pela iniciativa régia através do seu
principal ministro, começaram a levar a efeito uma ruptura inconciliável entre
a antiga aristocracia de corte, de clara vocação barroca e com limitadores
preconceitos de classe, e uma nova elite burguesa promovida pelos lucros de
actividades ligadas à prática comercial e ao transporte marítimo com os
territórios ultramarinos; processo que será politicamente acentuado pela
dinâmica de mudança implícita à destruição / reconstrução económica e social
permitida pelo grande terramoto de 1775.
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De facto, a acção
devastadora provocada por este acontecimento veio alterar profundamente o
equilíbrio de forças até então existente; o descrédito na valorização do divino e a
urgência de uma intervenção rápida e eficaz veio servir de argumento à obtenção
de plenos poderes por parte do marquês de Pombal, bem como a destruição física
da Capital do Reino e do Império,
permitiu a oportunidade efectiva da construção de um novo mundo racionalizado
e burguês, que se conformaria numa nova cidade que rejeitava espacialmente
a anterior hierarquização religiosa, afirmando programaticamente como centro simbólico
uma
praça real que, simultaneamente, era agora também assumida como a praça
do comércio. Na verdade, a cidade iluminista promovida pela
vontade do marquês e pelo risco dos seus engenheiros militares veio transformar
o palco central dos acontecimentos da vida portuguesa, refundando-a e
regrando-a sobre uma uniformização que estruturava corporativamente as profissões
e negava a anterior predomínio urbano dos edifícios religiosos e aristocratas,
à excepção, como é evidente, da figura única e absoluta do seu rei. No entanto,
neste processo de reestruturação social que implicou uma nova concepção do
espaço urbano, dois factos tendem ainda a revelarem-se como incontornáveis; a
ambiguidade e anacronismo existente entre a afirmação simultânea de um poder
absoluto, tradicionalmente ligado à valorização de uma aristocracia de corte, e
a valorização de uma burguesia liberal e a posterior ruptura política com o iluminismo
pombalino, que, pela reacção conservadora da viradeira, não perduraria
o seu ímpeto após o afastamento do seu principal promotor.
Para além dos efeitos da
acção reformadora pombalina, feita ambiguamente de progresso, contradição e
retorno, retorno esse que é paradigmaticamente afirmado pela barroca
Basílica da Estrela, (iniciada em
1779, portanto apenas dois passados do inicio do reinado de D. Maria I, o complexo
conventual da Estrela, dedicado ao culto do Sagrado Coração de Jesus, pode ser
interpretado quer pela sua específica implantação urbana, quer pela linguagem
arquitectónica utilizada na sua formalização, pode ser interpretada como um
retorno anacrónico a um tempo pré-pombalino, apresentando inevitáveis traços
de correspondência com o complexo conventual de Mafra) é também fundamental
para a compreensão do Portugal pré-romântico a influência dos ecos
da Independência dos Estados Unidos da América e, fundamentalmente, o enorme
impacto da Revolução Francesa de 1789, que proclamava liberdade, igualdade e fraternidade.
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Se a proclamação da independência americana não provocou o afastamento de uma neutralidade política por parte da acção governativa da conservadora rainha D. Maria I, a progressão de violência e a ruptura social exaltada pelo processo revolucionário francês vieram instaurar junto da coroa portuguesa e da generalidade da aristocracia a ela associada o medo e uma imagem revolucionária sinónima de horror, delírio e anarquia, realidade que seria ainda acentuada pelo receio cada vez mais presente de uma possível acção libertadora por parte do novo exército revolucionário; ...o grande medo, que abala a França a partir de 1790 repercute-se à distância, não no quotidiano popular, que, salvo as excepções colhidas no meio urbano, permanece estranho ao que se passa fora do seu círculo de vizinhança, mas nas elites...
In António Miguel Santos Leite, Do Iluminismo Pombalino à afirmação Arquitectónica
Romântica em Portugal, Artitextos, Lisboa, CEFA,Universidade Técnica de Lisboa,
2009, ISBN 978-972-9346-12-5.
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