terça-feira, 15 de janeiro de 2013

Crónica Esquecida d’el rei João II. Leituras. Seomara Veiga Ferreira. «O infante Fernando, irmão do jovem rei português, casa com D. Brites ou Beatriz, sua prima, filha do infante João e cumpriam-se as antigas negociações para um outro enlace que tantos engulhos fez ao velho duque de Bragança, o de D. Isabel, filha do Regente, com o primo rei, Afonso»

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«A prova é o cuidado na educação dos filhos dos irmãos mortos. É ele que escolhe para mestre da Infanta D. Catarina irmã de Afonso V, e a conselho do padre João Rodrigues, que se escusou ao convite, o futuro cardeal Jorge da Costa de que irei falar muito... e do qual dependeu também, em parte, o meu destino, o do Reino, e o de Manuel que hoje é Rei de Portugal, Manuel I. Álvaro de Luna tinha pedido auxílio militar ao Regente português contra a opinião dos próprios fidalgos como o conde de Haro, mas teimara, e Pedro enviara-lhe o jovem condestável com dois mil soldados de infantaria e mil e seiscentos cavaleiros. Acabaram por não ser necessários tantos homens de guerra ou a pressão dos fidalgos castelhanos isso propiciou. Mas a estrela de Álvaro duraria só até 1453, quatro anos depois da morte de Pedro, pois a filha do infante João, D. Isabel, mulher de têmpera e valor, não permitiu que o aventureiro fosse longe. Desde o seu casamento, em Outubro de 1446, com João II de Castela até ao momento em que em Valladolid caiu no cepo a cabeça de Álvaro de Luna, mediaram sete anos apenas.
D. Isabel, que casara com um homem que nem tivera conhecimento das suas próprias bodas que o valido tratara e negociara (e a Pedro, sem dúvida e ao seu esquema futuro de poder na Península conviria por de mais ter uma sobrinha casada e Rainha em Castela), virou o fraco marido contra o prepotente condestável. Em Castela, e não só, os poetas cantavam a trágica morte de Álvaro:

Tres delitos le pusieram.
Gran crueza, tirania
et al rey segun sintieron
ocupar la señoria.

A cabeça de cabelos negros do condestável esteve nove dias espetada num pau no cadafalso, pasto de moscas e vermes. Apesar de tudo, fizera-se justiça e o carão moreno do Luna, da cor da cinza e rasgado pelas aguçadas arestas das pedras arremessadas, transformara-se numa máscara terrível. Em 1446 o Regente, em Portugal, publica as ordenações com o nome do Rei: Afonsinas, código civil, o primeiro, a exemplo dos de Justiniano e Quintiliano e de outros legisladores da Antiguidade. Foi a Rui Fernandes que coube o trabalho de compilação e, depois, criava em Coimbra o Estudo Geral onde se ensinariam as Leis, a Teologia, as Artes.
A Lei e o ensino dos preceitos legais da sociedade são ou passam a ser as bases da governação de Pedro, a base de uma nova concepção política e legislativa da monarquia, mas já, em Janeiro de 1446 o infante Afonso atinge a maioridade. No entanto, mantém o tio (que praticamente o coage por necessidades de Estado) no poder até Julho de 1448. Quando em 1447 D. Isabel partia para Castela para se matrimoniar com o rei João II, preparam-se dois consórcios que vão ser o grande esteio desta crónica:
  • O Infante Fernando, irmão do jovem rei português, casa com D. Brites ou Beatriz, sua prima, filha do Infante João e cumpriam-se as antigas negociações para um outro enlace que tantos engulhos fez ao velho duque de Bragança, o de D. Isabel, filha do Regente, com o primo rei, Afonso.
É consumado a 6 de Junho de 1448. Em 1441, no momento crítico, um dos mais críticos entre os irmãos, e por intermédio do conde de Ourém, de Henrique e do arcebispo de Braga, Fernando, as pazes foram feitas, depois do Barcelos ter tentado impedir a passagem de Pedro e para isso até afundara os barcos do Douro, o Regente com aquele seu ar de impassível nobreza, os olhos meigos, propositadamente distraídos, penso que teria sérias dificuldades em manter a calma se olhasse mesmo o carão feio e o olhar torvo de Afonso que saíra ao pai na compleição robusta de mistura com o sangue plebeu de Veiros que não o ajudaria muito, aproveitou para tratar do casamento da filha com o sobrinho e amansar o meio-irmão.
O arcebispo, com aquele olhar em alvo que a fé tem por princípio conferir às sumidades eclesiásticas, erguera as mãos e dissera:

Ecce quam bonum et quam jocundum habitare frates in unum!


O Regente Pedro sabia melhor que ninguém que apenas se jogava uma farsa e como, de momento, a força parecia estar-lhe nas mãos, aproveitou-se da ocasião pois sabia que de comum como irmãos tinham apenas um pai, um mesmo pai, que também não merecera, por paga de um pecadilho de juventude, aquele filho que gerara e o seu imenso ódio e despeito apesar de o ter amado muito. Afonso prometia não defender mais os interesses de D. Leonor de Aragão (ela, para ele, nem representava sequer a razão de um programa político mas apenas o meio de satisfazer uma ambição pessoal), aceitava o casamento de D. Isabel com o jovem Rei e prescindia da alegria de ver a sua própria neta no tálamo real português, era uma questão de Rei por Rei, mas exigia que o cunhado, um inimigo de Pedro, o arcebispo que fora exilado, regressasse a Lisboa. Assim foi garantido o acordo. Por pouco tempo. Em Óbidos, em 1441, portanto, efectuaram-se os desposórios reais, no dia da Ascensão. O Rei tinha apenas dez anos. Mais sete anos e consumar-se-ia o matrimónio». In Seomara Luzia da Veiga Ferreira, Crónica Esquecida d’el rei João II, Editorial Presença, Lisboa 1995, 4ª edição, Lisboa 2002, ISBN 972-23-1942-6.

Cortesia de Editorial Presença/JDACT