sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

A Morte de Camões. Quadro do pintor Domingos António Sequeira. Luiz Xavier da Costa. «Papel e desenho na sua maneira são perfeitamente análogos aos de outros desenhos e estudos de “Sequeira”, da mesma época, existentes em várias colecções, no Museu Nacional de Arte Antiga»


jdact e cortesia da aclisboa

O Quadro de Sequeira
«Entre alguns desenhos originais de Domingos António Sequeira que possuo, um se torna mais notável e estimado por que tem a lápis a seguinte indicação:


Foi-me oferecido em Viana do Castelo, há mais de catorze anos, pelo meu querido amigo e venerado colega, ali residente, Luiz Augusto Oliveira, o apaixonado e competente amador de arte, organizador tenaz da maior e mais valiosa série de peças de faiança portuguesa que até hoje se tem reunido no país, autor erudito da Exposição retrospectiva de cerâmica nacional em Vianna do Castelo no anno de 1915 - Breves estados publicada em 1920 e possuidor também de uma rica e numerosa colecção de desenhos originais de artistas nacionais e estrangeiros.
A história de tão importante e avultado conjunto de desenhos, adquirido pelo distinto ceramógrafo no Porto alguns anos atrás, acha-se resumida na seguinte carta que me dirigiu em resposta à minha inquirição a tal respeito:

Vianna, 4-5.º - 914
Meu caro…
… vou dar-te as únicas informações que tenho dos 3 colleccionadores dos desenhos, aguarelas e sanguineas que possuo, em 4.ª mão.
O primeiro foi o sr. António José da Silva, que deve ter começado a colleccionar no começo do século 19. Tenho desenhos delle, bons, datados e assignados, em 1818. Recebeu a herança, ampliando-a o sr. João Baptista Ribeiro, que já colleccionava em 1838, data da acquisição de alguns desenhos do Pillement, por elle adquiridos.
Menciona até o preço da acquisição. Depois passou tudo para o pintor portuense, ou que residia no Porto, que muito ampliou a collecção, sr. S. Romão.
A respeito d’este nada sei, apesar de ser o mais moderno. Todos elles estiveram no estrangeiro, e de lá trouxeram muitas peças assignadas e datadas.
É o que te posso informar em resumo.
…………………………………………………….

Um grande abraço do

Teu m.to am.º…
Luiz A. d' Oliveira

O desenho que possuo e a que me referi, de claro-escuros muito estudados e definidos, vigorosamente sombreados, é feito a carvão e esfumado, com toques de lápis branco, sobre um pedaço rectangular, medindo 0,248 m X 0,538 m, de papel mescla de cor parda, áspero, esteirado (vergé), com consistência de almaço grosso e a marca de água seguinte :


O papel tem uma das bordas menores por aparar, levemente esbarbada, e nele o desenho enche quase por completo uma das faces, não mostrando a outra de reverso qualquer traço ou dizer. Papel e desenho na sua maneira são perfeitamente análogos aos de outros desenhos e estudos de Sequeira, da mesma época, existentes em várias colecções, no Museu Nacional de Arte Antiga e sobretudo na riquíssima colecção Rebello Valente, do Porto, especialmente conhecida do público pelas reproduções de alguns dos seus preciosos exemplares, que em 1906 e 1907 publicou a Ilustração Portugueza do jornal O Seculo.
Durante muito tempo supus que não estava assinado pelo autor. Mas há pouco descobri que, no canto inferior da direita, feita a lápis e um pouco confundida com traços extremos do carvão, se encontra desvanecida e difícil de ver, mas bem definida e característica depois de percebida, uma das rúbricas conhecidas com que Sequeira assinou muitas das suas produções:


A estampa que acompanha este trabalho, reprodução do desenho cuidadosamente feita pela fotogravura, dispensa-me da sua longa descrição, da análise pormenorizada da sua técnica e da exposição minuciosa do estado de acabamento em que se encontra. Sobre um colchão colocado em cima de um catre de tábuas, tudo visto de escorço da direita para a esquerda do modelo e dos pés para a parte da cabeceira, onde o travesseiro se esboça sumariamente na penumbra em traços mais escuros, senta-se um indivíduo com parte do tronco e os membros inferiores cobertos pelas roupas desalinhadas do leito, que descaem lateralmente até ao pavimento. O tronco, nu da cinta para cima e levemente curvado para a frente, é visto a três quartos para a esquerda, com a perna direita um pouco flectida no joelho e quase toda apoiada de lado sobre a cama; a coxa e perna esquerdas, levantadas e dobradas em maior flexão, apoiam-se no pé cuja saliência se adivinha. Os membros superiores, magros e descarnados, levantam os antebraços e juntam as mãos para o alto em um gesto de prece fervorosa; no braço direito acentua-se fortemente a saliência bicipital e mais acima, com erros de execução, a do deltóide no ombro e a do grande dorsal; o antebraço esquerdo parece apoiar se pelo cotovelo na coxa do mesmo lado; e as mãos, apenas esboçadas, assim como as saliências claviculares, as das costelas esternais e as do pescoço, são de um individuo emaciado.

Estudo para o quadro "A morte de Camões"
Desenho de D. A. de Sequeira

Não chegou a ser esboçada a cabeça, nem o poderia ser neste papel por que sairia dos seus limites; mas, pela posição estendida do pescoço e por alguns traços existentes, adivinha-se que deveria estar levantada, com a face procurando o céu. A sombra do corpo, dura e recortada, como se a luz viesse de origem não muito elevada, da direita para a esquerda e detrás para diante, projecta-se na parede que fica do lado esquerdo, junta e ao correr do leito. Na penumbra que banha a parte inferior está indicada por dois largos traços escuros uma das cruzetas laterais que sustentam o catre e perspectiva-se a união com o solo das paredes do aposento e respectivo canto.
É primoroso o desenho e o acabamento das roupagens e dos efeitos de luz sobre elas, seu pregueamento e relevo dos membros inferiores do personagem, por elas recobertos, em contraste com o esboço sumário do tronco, mãos e membros superiores e com a nula indicação da cabeça». In Luiz Xavier da Costa, A Morte de Camões, Quadro do pintor Domingos António Sequeira, The University of Connecticut Library, Camões 173, Special Collections, Edição de 330 exemplares, sendo 30 em papel de linho, da Companhia do Papel do Prado, numerados e rubricados pelo autor, Lisboa, 1922.

Cortesia de A. C. de Lisboa/JDACT