«Sofrendo com a antinomia
entre o sublime ideal e a triste realidade, muitos pensavam que só uma
intervenção do Céu poderia suprimi-la, intervenção, aliás, que lhes parecia prometida
por diversas profecias antigas e modernas. Os vaticínios, que sempre tinham
surgido nos lances críticos da cristandade, começaram a brotar, como nunca
antes, no fim da Idade Média.
Quase todos eles estavam redigidos numa linguagem propositadamente enigmática,
só compreensível aos iniciados. Ameaçavam calamidades que estavam prestes a
cair sobre prelados, príncipes, ricos e exploradores, mas mostravam também grandes
esperanças. Havia de vir um papa, Pastor Angélico, que, secundado por
um grande monarca cristão Rei justo e piedoso, conseguiria transfigurar
a sociedade cristã. A vida do Pastor Angélico seria um modelo de humildade,
pobreza, e abnegação, em contraste flagrante com a vida principesca que levavam
muitos papas da época. O papel do Rei justo e piedoso, muitas vezes imaginado
como Imperador Mundial, seria o de acabar com o poder dos Turcos e o de
estabelecer um reino de paz e justiça na terra. De acordo com as preferências
pessoais dos profetas, que não raro mostravam espírito muito faccioso, o papel
de Imperador poderia caber a um Francês, Inglês ou Alemão. Igualmente de acordo
com as predilecções pessoais, o movimento reformador e profético podia revestir-se
das formas mais variadas: espiritualismo, milenarismo, anarquismo, comunismo,
nacionalismo, etc. - mas todas essas correntes prometiam um futuro melhor,
garantido por Deus.
Algumas dessas profecias
eram atribuídas a Joaquim, como,
por exemplo, os comentários sobre Isaías e Jeremias, as glosas sobre o Oráculo Angélico e uma parte dos
Vaticínios sobre os Papas.
Outras eram postas na boca de uma das Sibilas (Eritreia, Sámia, etc.) e na de Merlino,
o famoso mágico da saga celta. Vários destes vaticínios, não raro, entraram
bastante deformados nas profecias sebásticas. Será escusado dizermos que o joaquimismo de data posterior pouco ou
nada tem a ver com a doutrina autêntica de Joaquim
de Fiore, embora cumpra reconhecer que este criou um clima propício
para nascerem esperanças históricas e profecias apocalípticas.
Deixando aqui de lado o
seu aspecto estritamente religioso, podemos dizer que o joaquimismo do fim da Idade Média é a esperança na vinda de um
grande Reformador, que há-de livrar a cristandade de inimigos internos e
externos e estabelecer um reino universal de paz e justiça. Este joaquimismo não tardou a entrar na
Península Ibérica, sobretudo no Reino de Aragão, o qual, devido à sua situação
geográfica, estava muito exposto às influências do mundo mediterrânico. Atingiu
também Portugal, não havendo dúvida que os frades menoritas e, mais tarde, os
monges de São Jerónimo foram transmissores importantes da nova mentalidade. Já
nos anos críticos de 1383 a 1385
existia um forte messianismo em Portugal, do qual o sermão de frei Pedro,
transmitido por Fernão Lopes, é a expressão mais manifesta. Uma vez arraigado
nas terras de Espanha, o joaquimismo
sofreu diversas influências regionais e, passando por várias etapas ainda não devidamente
estudadas, acabou por traduzir-se, na parte final do século XV em profecias
rimadas, coplas, trovas, etc., cujo impacto foi decisivo para Bandarra, o
grande profeta de quase todos os messianistas portugueses.
Portugal, um solo fecundo
Acima ficou dito que a terra lusitana era solo fecundo para o vicejar
do joaquimismo. A afirmação pede
alguns esclarecimentos mais pormenorizados. Passo a dá-los, não no sentido de
causas determinantes, mas no de factores que, a posteriori, nos tornam compreensível a intensidade do
fenómeno em Portugal, bem como a sua longa duração. Em primeiro lugar, Portugal
continuava a ser uma sociedade sacral, em que todos os sectores da
vida estavam impregnados de religiosidade, ao passo que diversos outros povos
da Europa, sobretudo os do Norte, se iam secularizando sob a influência do humanismo
e do protestantismo». In José Van den Besselaar, O Sebastianismo
História Sumária, Instituto Camões, Instituto de Cultura e Língua Portuguesa, Biblioteca Breve /Volume 110, Livraria
Bertrand, 1987.
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