sábado, 19 de janeiro de 2013

Os Trovadores Medievais e o Amor Cortês. Reflexões Historiográficas. «A designação jogral, é uma das mais vagas, já que se refere não apenas ao músico-poeta, mas também ao artista saltimbanco, ao malabarista, e a tantos outros profissionais do espectáculo que percorriam o mundo medieval oferecendo sua arte e seus serviços»


Cortesia de wikipedia e jdact

"Entre os séculos XII e XIV – em um contexto de desenvolvimento do trovadorismo medieval que inclui dimensões que vão do reflorescimento urbano à expansão feudal, prosperaram em reinos que iam desde a França até os reinos ibéricos de Portugal e Castela movimentos trovadorescos extremamente significativos que continham entre si similitudes e contrastes. O objecto deste artigo será examinar as relações do trovadorismo medieval com o Amor Cortês, analisando o surgimento de um novo padrão de sensibilidade entre os poetas medievais".

«Os trovadores medievais ajudaram certamente a escrever um dos capítulos mais fascinantes da História da Cultura na Idade Média. De certo modo, estes músicos-poetas estão no centro de um novo modo de pensar e de sentir, e é isto o que habilita os historiadores de hoje a avaliarem a sua contribuição muito específica para a cultura medieval. Os próprios trovadores costumavam ver a si mesmos como portadores de um novo tipo de ciência: uma Gaia Ciência, isto é, uma ciência alegre, ou, se assim quisermos, uma ciência gaiata ao mesmo tempo articulada ao mundo e capaz de transcendê-lo. Mas é verdade que esta gaia ciência, expressão de um aprendizado em que o trovador tornava-se um mestre da arte de viver intensamente, e de transformar a sua própria vida em obra de arte, também podia implicar em sofrimento. O Amor Cortês, criação original dos trovadores que foi tão bem traduzida pelas cantigas trovadorescas de amor e pelos romances corteses do período medieval, não raro podia levar ao desespero, à paixão desmedida, ao desejo de morte diante da impossibilidade de realização da união com a mulher amada. Eis aqui índices extremamente significativos que denotam o surgimento de um novo modelo de sensibilidade amorosa e de atitude estética diante da vida. Mas antes de abordar este ponto, convém situar os trovadores medievais no seu tempo, compreender esta designação que por vezes é tão ambígua, entender o espaço social em que eles se movimentavam.
Em um sentido mais amplo, pode-se chamar de trovadores a todos os poetas-cantores que percorriam a Europa nos tempos medievais, levando a sua poesia e o seu modo de vida a ambientes tão diversificados como a praça pública, as universidades ou as cortes principescas e aristocráticas. Nesta acepção mais ampla, a designação trovador termina por abarcar realidades tão diferenciadas como a dos skops anglo-saxónicos desde o século IV, a dos escaldos islandeses e noruegueses a partir do século X, a dos trovadores cortesãos do século XII em diante, a dos goliardos desde o século IX, a dos jograis um pouco por toda a Idade Média. E, mesmo tomando mais especificamente um destes tipos, por vezes recaímos em novas designações que são igualmente ambíguas.
A designação jogral, por exemplo, é uma das mais vagas, já que por vezes se refere não apenas ao músico-poeta, mas também ao artista saltimbanco, ao histrião, ao malabarista, e a tantos outros profissionais do espectáculo que percorriam o mundo medieval oferecendo sua arte e seus serviços. Compreender a diversidade trovadoresca nestes diversos tempos e sociedades implica na percepção de que os vários tipos de poetas-cantores podiam desempenhar funções diversas nas sociedades em que circulavam. Uns especializavam-se em difundir em verso mitologias povoadas por deuses guerreiros, como é o caso dos eddas noruegueses à época das invasões nórdicas contra o mundo românico; outros eram contratados para louvar dinastias reinantes, como ocorreu entre os reis e chefes guerreiros islandeses que mantinham em suas cortes grandes círculos de poetas profissionais, os escaldos, para o seu próprio louvor e enaltecimento, e na verdade para a difusão de suas gestas em um círculo social mais amplo. Havia os poetas-cantores que se dedicavam à poesia sagrada, como a dos trovadores que se empenharam em produzir cantos para o enaltecimento da Virgem Maria; e, num outro extremo, havia os que resolveram dedicar a vida a uma alegre vagabundagem, como os goliardos que desde o século IX difundiam canções de enaltecimento à vida mundana e sátiras contra uma sociedade que desprezavam. Outros, por fim, especializaram-se nas cantigas de amor, e inventaram mesmo uma nova forma de Amor, como foi o caso dos trovadores cortesãos que começaram a frequentar os palácios medievais a partir do século XII». In José D’Assunção Barros, A Arena dos Trovadores, 1995, Os Trovadores Medievais e o Amor Cortês. Reflexões Historiográficas, revista Alethéia, UFG, Abril/Maio 2008.

Cortesia de Alethéia/JDACT