terça-feira, 8 de janeiro de 2013

O Futuro e os seus Inimigos. Uma Defesa da Esperança Política. Daniel Innerarity. « A omnipresença do tempo curto verifica-se na forma de zapping, fast, flash, clips, spots, surfing, mas também nas terapias e no entretenimento ou nos serviços de urgência nas 24 horas do dia»

jdact e cortesia de wikipedia

A cultura da urgência
«[…] essa gradual perda de experiência na sociedade moderna que resultaria da incapacidade do sujeito para transformar em experiência genuína a pluralidade das impressões; o seu tempo é o tempo de uma sucessão de sensações não acumulativas, descontínuas e a modo de choque. Deixando-nos absorver pela urgência do presente, limitamos a nossa energia temporal ao mais imediato. Quanto mais mergulhamos na urgência presente, menos valor atribuímos à ideia de projecto e à lógica do longo prazo. Tudo gira em redor de um presente vicinal, autárcico, auto-referencial e inquieto. Deu-se uma espécie de compressão do tempo ou abreviação do presente, que se faz sentir em diversos níveis e em registos diferentes. A omnipresença do tempo curto verifica-se na forma de zapping, fast, flash, clips, spots, surfing, mas também nas terapias e no entretenimento ou nos serviços de urgência nas 24 horas do dia. Esta contracção do tempo impõe os seus próprios modos de gestão. Valores como a flexibilidade ou a adaptação, que são, evidentemente, muito importantes, transformam-se em princípios absolutos que determinam as grandes decisões. Instaurou-se uma ditadura do tempo real nas organizações, na política e na sociedade em geral. É o império da eficácia, do instante, do curto prazo, da satisfação, da urgência, da velocidade, da imediatez, da ligeireza e da flexibilidade.
As condições técnicas de aceleração da velocidade social atingem a temporalidade da política de três maneiras:
  • reduzem-lhe a capacidade de captar e interpretar a informação,
  • transbordam dos espaços estatais como âmbitos exclusivos de governo,
  • transformam a acção pública em reacção pública.
O actor público não age, reage. Há incerteza; como, porém, se deve agir a todo o custo, os agentes políticos recorrem a acções de curto alcance destinadas a enfrentar constrições imediatas como os protestos ou as eleições. Sobrevaloriza-se a acção, a resposta imediata, como antídoto contra a incerteza. Os actores políticos estão continuamente a apagar fogos e não conseguem formular objectivos de longo prazo. Decidem sistematicamente a favor do curto prazo e contra o longo, renunciando à ideia de que lhes cabe, precisamente, arbitrar entre ambas as coisas.
A urgência, esse grau zero da distância temporal, perdeu o estatuto de temporalidade excepcional e constitui-se em temporalidade normal. Multiplicam-se as falsas urgências e aumenta a pressão para actuar imediatamente. A reactividade instantânea pesa sobre as instituições, as organizações e o modo de trabalhar. No universo competitivo, a imediatez das respostas constitui uma regra absoluta de sobrevivência. A urgência deixou de ser excepcional e impõe-se como modalidade temporal da acção em geral. Todos sabemos, contudo, que a absolutização da urgência arruína a própria ideia de urgência. Os sinais de alarme só são eficazes quando excepcionais, quando não se generalizam.
Para compreender como se arruína o urgente, basta ter compreendido a lógica que explica o frequente colapso dos serviços de urgência. O conceito de urgência não é objectivo: é uma inquietação perante o futuro incerto; diz-se que muitas das pessoas que afluem aos serviços de urgência dos hospitais e os sobrecarregam podiam perfeitamente ser tratadas nos serviços normais. Um serviço de urgência é por princípio uma coisa excepcional que só tem sentido quando não é possível outra solução. A generalização do recurso a procedimentos de urgência revela a ineficácia ou e falta de confiança nos procedimentos e instituições normais. O urgente só tem sentido quando existe o que não é urgente». In Daniel Innerarity, O Futuro e os seus Inimigos, Teorema, 2011, ISBN 978-972-695-960-1.


Cortesia de Teorema/JDACT