«Com as convenções políticas, porém, não mudam as ideias nem os
interesses, e nós sabemos que a união dos bispados galegos a Braga foi alfobre
de brigas, de discussões e de lutas. Diz o grande historiador das instituições
da França, Fustel de Coulanges, que as nações se não distinguem nem pela raça
nem pela língua. Os homens sentem no seu coração que são dum mesmo povo quando
têm uma comunhão de ideias, de interesses, de afectos e de esperanças.
A Galiza, minada por heterodoxias, entre as quais avulta o priscilianismo,
não poderia bem soldar aos povos evangelizados por S. Martinho e por S.
Frutuoso. Não estará também aqui uma nova camada da formação portuguesa?
A linha dos reis visigóticos termina em Rodrigo, vencido em Guadalete pelos
Árabes, que se fazem senhores da Hispânia. Os cristãos vencidos acolhem-se às
montanhas asturianas e aí começam um movimento de reconquista, que abrange o
Norte peninsular.
No Entre Douro e Minho, a ocupação muçulmana foi sujeita a contínuas
alternativas: não se fixou.
Afonso I, rei das Astúrias, chegou ao Douro com suas hostes e, segundo
dizem velhas crónicas, consigo levou na retirada toda a população cristã. christianos
autern securn ad patriam ducens - Campos... usque ad flumen Dorium eremavít.
Mas não se podem tomar à letra estas expressões das crónicas. O discutido
ermamento não foi, não poderia ter sido, nem completo nem mesmo muito profundo.
Sousa Soares chegou à
conclusão de que, embora as cidades e povoações fortificadas tivessem sido
sistematicamente destruídas pelos primeiros reis cristãos, a população disseminada
pelos campos pôde, de certo modo, resistir às investidas dos contendores.
Com efeito: a existência, quase às portas de Braga, do mosteiro de Dume
com seus bispos, até fim do segundo terço do século IX, existência comprovada
pela arqueologia artística a valorizar a prova documental, mostra-nos que, pelo
menos nesta zona, não houve ermamento. Mas há ainda a circunstância de aparecerem
homens, nos séculos IX e X, conhecedores dos limites de certas circunscrições
antigas, Previsores Sapientíssimos, evidentemente nados e criados na
terra, que era sua.
Perdurável na memória dos homens, aparecem topónimos pré-romanos, Bracara,
Catavum,
Braga, Cávado, com outros latinos positivamente da época luso-romana, villa
Argentini, Samueli, Corneliana, Dumium, Panonias, hoje Arentim,
Semelhe, Correlhã, Dume Panoias, ao lado de outros germânicos, suevos e godos, villa
Athaulfi,
Guntilani, Argemiri, que ainda hoje se chamam Adaúfe, Gontinhães, Argemil, e
assim a própria toponímia nos convence do pouco rigor das crónicas. Os muitos
que ficaram haviam de manter as velhas tradições e ideias e fazer a educação
dos novos nas mesmas crenças e aspirações. Entregues a si mesmo, longe do poder
centralizador, haviam de constituir governo local, que no século X andava em
mãos duma família poderosa.
Não geraria isto, porventura, a mais sólida assentada da nossa
estratificação nacional?
O repovoamento cristão é, porém, já largo e grande no século XI. Por
este tempo duas civilizações lutavam encarniçadamente, cada uma disposta a
esmagar a outra. Nas duas extremidades da Europa, o crescente afrontava a cruz.
No Oriente, o império bizantino oscilava em suas bases; no Ocidente, os sarracenos
de Espanha, auxiliados pelos mouros de África, batiam os exércitos cristãos na
batalha de Zallaca». In Alberto Feio, Daqui Nasceu Portugal,
Câmara Municipal de Braga, 1964.
Cortesia da CM de Braga/JDACT