quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

Estudos sobre a Ordem de Avis. Séculos XII-XV. Maria Cristina A. Cunha. «Quando em 1179 Sancho é derrotado por Fernando II de Leão, que contou com a ajuda dos santiaguistas, Afonso Henriques confirma que as cautelas que haviam condicionado a doação tinham razão de existir. O rei não tinha a certeza da hierarquia de lealdades da Ordem de Santiago face aos diferentes monarcas»

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«Esta terá recorrido à Santa Sé para fazer valer as suas pretensões, que nomeou os bispos de Astorga, Burgos e Segóvia como árbitros da questão. É possível que esta contenda esteja relacionada com a polémica que envolveu Afonso II e as suas irmãs. De qualquer modo, o litígio com os hospitalários só conheceu o seu fim cerca de dez anos mais tarde, em 1221, altura em que a própria D. Mafalda fez um acordo com o prior Mendo Gonçalves que visava o fim do processo. Mas para o encerrar das animosidades terão igualmente contribuído condições externas ao próprio objecto da contenda. A situação político-militar tinha conhecido alterações profundas:
  • em 1217, aproveitando a passagem de uma frota de cruzados que se dirigiam à Terra Santa, Afonso II tentou, com êxito, a reconquista de Alcácer do Sal, em que terão participado hospitalários ao lado das restantes forças cristãs.
Após o sucesso militar, o rei confirmou o couto e privilégio outorgados por Afonso Henriques em 1140 e, dois anos depois, resolveu a questão da aplicação do dinheiro entregue por Sancho I à guarda dos hospitalários. Tudo aponta, portanto, para o facto de a divergência entre os hospitalários e Afonso II, a ter existido, ter sido pontual, a menos que o monarca também considerasse a Ordem do Hospital usurpadora das propriedades régias, como aconteceu relativamente a outros sectores da Igreja, nomeadamente ao arcebispo de Braga. De qualquer modo, em 1222, já depois das primeiras Inquirições, o Prior do Hospital confirma um diploma régio, atestando assim a sua presença na Corte. No ano seguinte, 1223, morria Afonso II, não sem antes ter determinado, no seu testamento, que o Prior do Hospital e o Mestre do Templo fossem os responsáveis pela guarda de determinados bens. Estava, pois, regularizada a cordialidade entre a Ordem do Hospital e a monarquia portuguesa.
Para além das milícias internacionais, os nossos primeiros monarcas contaram também com a colaboração das ordens militares nascidas na Península Ibérica, nomeadamente Santiago e Calatrava. No que respeita à primeira destas Ordens, há notícia da presença do seu mestre junto da corte de Afonso Henriques dois anos após a sua fundação no reino de Leão (1172). É nesta altura que Afonso Henriques doa à Ordem de Santiago em Portugal, nas pessoas do seu mestre e do conde Rodrigo Álvares Sárria, sobrinho do monarca, e de todos os seus sucessores, a vila de Arruda com seus termos e direitos reais, e, alguns meses mais tarde, o castelo de Monsanto, situado perto de Idanha. Estas doações revestem-se da maior importância, sobretudo se as associarmos à do castelo de Abrantes, ocorrida um ano mais tarde, já que visavam fazer frente, na linha do Tejo, a um avanço muçulmano, então eminente. É importante, contudo, referir que as liberalidades do monarca apresentam (claramente num caso, implicitamente nos outros) algumas condições que parecem querer demonstrar que o Conquistador só entregava aos espatários estas praças, assim como Almada e Alcácer, porque as alternativas que possuía, frente a uma pressão almoada cada vez mais forte, se limitavam à Ordem do Templo, uma vez que, como vimos, por esta altura os hospitalários ainda só se dedicariam à assistência aos doentes e peregrinos. Na doação de Monsanto exige-se que o comendador que fosse colocado no comando da fortaleza deveria ser português, isto é, não poderia ser de alterius terrae e deveria estar sempre disponível para o serviço, em tempo de paz e de guerra, a Afonso Henriques e a todos seus descendentes. Ou seja, de uma forma muito clara, o monarca aceitava uma Ordem oriunda de um reino estranho, mas exigia a lealdade da fortaleza.
Quando em 1179 Sancho é derrotado por Fernando II de Leão, que contou com a ajuda dos santiaguistas, Afonso Henriques confirma que as cautelas que haviam condicionado a doação tinham razão de existir. Dito por outras palavras, o rei não tinha a certeza da hierarquia de lealdades da Ordem de Santiago face aos diferentes monarcas peninsulares. Estão ainda por apurar as razões que levaram a Ordem a trair o monarca português. Mas não andaremos longe da verdade se pensarmos que os espatários portugueses a isso terão sido obrigados pelos congéneres leoneses, tanto mais que o conde Rodrigo foi um dos outorgantes nas primeiras doações régias à Ordem de Santiago e, como tal, garante da fidelidade da sua milícia, se deve ter desligado da milícia santiguista, surgindo em 1180 ligado à fundação das Ordem de Santa Maria de Monte Gaudio.
Como não conhecemos outros diplomas outorgados por Afonso Henriques em benefício de Santiago até à sua morte, e dado que os espatários só possuíam as referidas praças de iure, isto é, não de uma forma efectiva, é de supor que a Ordem viu muito reduzidas as suas possessões em território actualmente português: Alcácer, Almada e Arruda só voltarão à posse de facto dos espatários após a defesa de Santarém em 1184, na qual estes cavaleiros também participaram.
Um novo avanço das tropas muçulmanas ocorrido em 1191 provocou a queda de Alcácer, Palmela e Almada, tendo os castelos destas duas últimas localidades sido destruídos. Seguiu-se a perda, por parte dos cristãos, de Silves, que entretanto havia sido reconquistada com auxílio dos Cruzados». In Maria Cristina A. Cunha, Estudos sobre a Ordem de Avis, séculos XII-XV, Faculdade de Letras, Biblioteca Digital, Porto, 2009.

Cortesia da Faculdade de Letras do Porto/JDACT