segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

A Expansão Quatrocentista Portuguesa. Vitorino Magalhães Godinho. «Mas os genoveses reocuparam um lugar ao sol, e sobretudo tinham solidamente em mãos o mar Negro, os escravos, a seda, e desenvolviam os seus negócios no Poente, Ceuta, Canárias, Suz, Sidjilmessa»

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«Veneza permanece voltada para o Levante: contemporaneamente, Marco Polo opõe-se aos Vivaldi. São, porém, os problemas do Levante que preponderantemente comandam a acção genovesa. Os cristãos expulsos da Terra Santa são João de Acre cai em 1291, as garras do Egipto mameluco a apertarem-se cada vez mais sobre o Crescente limítrofe, é uma barreira que subitamente se interpõe entre a cidade italiana e os opulentos mercados asiáticos, criando condições difíceis para o trato cristão das especiarias. Génova esforçou-se por a soltar, voltando-se sucessivamente para o Levante e para o Poente. Por um lado, os genoveses equiparam uma esquadra no golfo Pérsico, a fim de bloquear o mar Roxo e forçar o Cairo a uma atitude razoável. Fracasso. Por outro lado, suas velas procuraram descobrir uma rota oceânica para as Índias. Novo fracasso.
Acrescente-se, para retomar o fio da discussão da viagem dos Vivaldi, que visto tratar-se de resolver o problema das especiarias, provavelmente o destino dos dois irmãos seria o Malabar; não sendo o Cathay nem o Cipangu, a rota que se propunham sulcar deveria ser a do Cabo.
No ocaso do século XIII e em começos do século XIV abundam os projectos de cruzadas, nos grandes centros mediterrâneos. É a hora de Marino Sanudo e, em Maiorca, de Raimundo Lúlio. A interrupção prejudicara mais Génova, obediente às objurgatórias pontifícias do que Veneza, pouco propensa a impressionar-se com os coriscos da Santa Sé, mas que apesar disso durante 20 anos não enviou as galés a Alexandria. O comércio genovês debatia-se com uma concorrência vitoriosa, e essa a razão por que de Génova desaferraram os Vivaldi. Mas os genoveses reocuparam um lugar ao sol, e sobretudo tinham solidamente em mãos o mar Negro, os escravos, a seda, e desenvolviam os seus negócios no Poente, Ceuta, Canárias, Suz, Sidjilmessa. A expansão alongava-se através do Mediterrâneo, em marcha para leste, e os mercadores de Aragão não desdenhavam tratar em Alexandria e Beirute. A cartografia catalã revela um prodigioso conhecimento do interior da Africa do Norte: escalas das caravanas trans-saarianas, mercados sudaneses do ouro, reinos negros e nómadas embuçados.
É que outro problema se punha, ao mesmo tempo que o das especiarias: o problema do metal amarelo. O surto mineiro da Europa central e oriental aviltava o valor da prata, logo encarecia o ouro. A razão entre os dois metais preciosos, que era, na Itália setentrional, de 10, em média, para o período 1250-1285, sobe a 13,5 de 1302 a 1335. Por isso a corrida para o ouro, a dura concorrência dos cristãos nos mercados maghrebinos, o seu aparecimento nos oásis escalas das caravanas, a tentativa de Ferrer de alcançar pela via marítima a origem do precioso tibar, o estabelecimento de genoveses nas Canárias...
Em breve, porém, a produção mineira europeia decai, e consequentemente o preço do ouro expresso em prata baixa devido à rarefacção do metal branco. Nas cidades da Barbaria os mercadores cristãos compram quantidades suficientes do fulvo metal. A ocasião ainda não chegou, de impelir teimosamente as velas até os rios de Guiné. Quanto às especiarias, na década de 1340 os cristãos voltam a acomodar-se com o Cairo. Também ainda não chegara a ocasião de rumar, custasse o que custasse, através da imensidão oceânica, para o Malabar da pimenta.
Expansão abortada, numa palavra; mas tentativas de expansão oceânica, apesar de tudo, das quais ficariam resultados não de desprezar. Postas em movimento pelo mecanismo que acabamos de esboçar, teria havido um conjunto de condições que as tornassem possíveis?» In Vitorino Magalhães Godinho, A Expansão Quatrocentista Portuguesa, 1962, Publicações Dom Quixote, 2008, ISBN 978-972-20-3510-1.

Cortesia de Dom Quixote/JDACT