terça-feira, 8 de janeiro de 2013

Cartas de Amor a Ofélia Queiroz. Fernando Pessoa. «Vês o que faz eu gostar tanto tanto de ti? Com que então no Domingo condenas-me a não ter a alegria de te ver! Paciência. Saio. Olha vou ao Rego à minha irmã. Mas apesar de me não veres pensarás muito em mim? Deus queira que sim? Estás então muito cansadinho de trabalhares tanto!»


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Meu querido amorzinho:
Hoje tenho tido immenso que fazer, quer fóra do escriptorio, quer aqui mesmo. Vão só duas linhas, para te provar que te não esqueço - como se fôsse muito facil eu esquecer-te!
Olha: mudo de Benfica para a Estrella no dia 29 d’este mez de manhã; estive agora mesmo a combinar a mudança. Isto quer dizer que no domingo que vem nos não veremos, pois passarei o dia lá em Benfica a arrumar tudo, pois não é natural que tenha tempo para o fazer durante a semana. Estou cansadissimo, e ainda tenho bastante de que tratar hoje. São 5 horas e meia, segundo me diz o Osorio.
Desculpa-me eu não te escrever mais, sim? Amanhã, á hora do costume nos encontraremos e fallaremos.
Adeus, amor pequenininho.
Muitos e muitos beijos do teu, sempre teu
Fernando
24.3.1920


Meu Fernandinho lindo
Tu vais perdoar o teu bebezinho te escrever hoje a lápis, mas é-me impossível fazêlo a tinta, e como de forma alguma queria deixar de te escrever e já passa de meia-noite não posso esperar para mais tarde porque já tenho muito soninho. E o meu querido amor já está deitadinho? Não calculas como tenho estado hoje satisfeita! Até tenho comido melhor. Vês o que faz eu gostar tanto tanto de ti? Com que então no Domingo condenas-me a não ter a alegria de te ver! Paciência. Saio. Olha vou ao Rego à minha irmã. Mas apesar de me não veres pensarás muito em mim? Deus queira que sim? Estás então muito cansadinho de trabalhares tanto!
Coitadinho do meu amorzinho que tem tido tanta maçada por causa da casa, mas também depois descansas.
Eu hoje ainda não falei com a minha irmã nada a nosso respeito, falo amanhã. Eu então sou amorzinho pequenininho? Mas olha que o meu amor por ti é bem grandinho… Disseste-me hoje que se eu estava habituada e gostava de divertimentos que tinha escolhido mal o homem. Mas diz meu amor, que maior divertimentos aspiro eu que não seja o de estar junto de ti?! Viver contigo e sermos muito muito amiguinhos?! (Como havemos de sê-lo).
Desejosa estou eu por tão grande felicidade!
Não te esqueças do retrato «Nininho».
Não me faças esperar muito!
Amanhã lá nos encontraremos no nosso ponto de encontro. Mostrei o meiguinho a minha mãe, achou muita piada.
[…]
Adeus e nunca, nunca te esqueças do teu bebezinho, não?
Agradeço muito os teus beijinhos – e envio-te milhares deles na impossibilidade de o fazer pessoalmente, temos que nos limitarmos a transmiti-los desta forma.
Sou e serei sempre muito tua amiguinha
Ofélia Queiroz
Oh! como eu queria riscar da minha vida todo o tempo que não passo junto de ti.
24-3-920 - Meia noite e meia hora

Agora que sinto amor
Agora que sinto amor
tenho interesse no que cheira.
Nunca antes me interessou que uma flor tivesse cheiro.
Agora sinto o perfume das flores como se visse uma coisa nova.
Sei bem que elas cheiravam, como sei que existia.
São coisas que se sabem por fora.
Mas agora sei com a respiração da parte de trás da cabeça.
Hoje as flores sabem-me bem num paladar que se cheira.
Hoje às vezes acordo e cheiro antes de ver.
O Pastor Amoroso / Alberto Caeiro

Meu Bébézinho:
Não te escrevi hontem, afinal, porque estive muito mal disposto em casa; e hoje tive o desgosto e a apoquentação de te não ver, embora estivesse á porta da Livraria Ingleza desde as 10 para o meio-dia e até mais que o meio-dia e meia-hora.
Tu estás doente, Bébézinho?
Manda-me dizer qualquer cousa, por amor de Deus!
Estou escrevendo á pressa, no Café da Arcada para ir entregar a carta ao Osorio. Oxalá o encontre. Dá-me noticias tuas, sim?
Mil beijos do teu, muito e sempre teu
Fernando
8/4/1920


Meu Nininho adorado:
Recebi a tua grande cartinha que me causou surpresa e por isso alegria pois que não esperava, quando cheguei a casa é que minha mãe ma deu. Eu [,] meu Fernandinho além de não estar nada boa não foi esse o motivo por que não estive no nosso ponto de encontro à hora marcada, tive que sair com minha irmã e não estava despachada à hora precisa para te encontrar, sabes a que horas fomos almoçar? (ou por outra viemos almoçar porque almoçámos em minha casa) eram duas e tal. Já vês meu lindo amor que era impossível encontrar-te… Vejo que ficaste ralado e em cuidados o que me satisfez imenso, não é pelo facto de gostar que te rales e apoquentes, não [,] amor [,] é por ver que te interessas bastante pelo teu bebezinho [;] e nunca te arrependas meu amorzinho porque eu mereço bem os teus interesses por mim porque te estimo tanto quanto é possível estimar um homem (um Nininho). Mas não fazes ideia Fernandinho as saudades imensas que de ti tenho tido e tenho! Supõe por ti, amor, tenho estado hoje verdadeiramente doente, triste por te não ver, e ralada com coisas que soube, enfim o que se resume de tudo isto é que eu não tenho o direito de andar bem disposta, não mereço gozar felicidade alguma! Serei tão má para que mereça tanto? Hei-de ter sempre de que me ralar, mas sempre. Ao menos resta-me a esperança em ti, em ser feliz contigo, e ter alegria no futuro.
Escreveste tão poucochinho! Podias ter escrito mais [,] meu amor! Tu não gostas de mim [,] pois não Fernandinho? Gostas? Muito… não gostas lindo amor? Crê Fernandinho, juro-te por tudo que me não sais do pensamento, és tu que suavizas, que desfazes todas estas séries de trapalhadas que me sucedem, vingo-me em pensar em ti para me esquecer de tudo quanto me é desagradável. Eu 2ª feira vou consultar o médico, eu hoje estava para consultar mas não quis, mas sempre me resolvo, e depois como também o meu Fernandinho me aconselhou que era melhor [,] eu obedeço. É para que vejas que sou obediente!! O Osório disse a minha mãe que vinha cá amanhã buscar a resposta, e eu dou-lhe esta para ele te entregar e fico com a de ontem para te dar pessoalmente.
[…]
Eu estou ansiosa por ser a tua noiva, não é por nada [,] é simplesmente para ver se gosto de me ver assim mascarada não é mais nada repito. (Pois não!!) É mas é para eu ter o meu Fernandinho seguro, ter então a certeza que ele é bem meu, e viver com ele toda a vida! Mas quando meu Deus, serei eu merecedora de tão grande felicidade?
Não faltes amanhã não pomponzinho querido?
Eu amanhã vou com certeza, salvo que estivesse doente de forma que não pudesse sair, mas tal não há-de suceder se Deus quiser. E o rintintin? Já o trazes? Sabes alguma coisa do Sr. Crosse?
Adeus Fernandinho adorado, beija-te muito muito a tua, só e sempre tua
Ofélia
8-4-1920


In Wikipédia/Casa de Fernando Pessoa.

Cortesia de Casa de Fernando Pessoa/JDACT