sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

Tópicos para uma Abordagem Renovada de Os Lusíadas, na aula. Lino Moreira Silva. «E assim é, igualmente, pelos muitos factores, de forte densidade ideológico-cultural, presentes em Os Lusíadas, tais como, a pluralidade das fontes literárias e culturais, a religião, a mitologia, a ciência, a política, o conteúdo histórico-geográfico da antiguidade e da modernidade, com debate de opiniões…»

jdact e cortesia da udominho

«Poema épico escrito por Camões com o labor análogo ao das abelhas, e ligado à nacionalidade de um povo, o povo português, como nenhum outro, Os Lusíadas são uma obra cujo estudo merece uma atenção especial. Nunca será de mais salientar que se trata de uma obra de grande complexidade e de dimensão cultural muito abrangente e profunda, que reflecte um entrecruzar de vários mundos, que é preciso compreender e decifrar. Assim é, desde logo, por Os Lusíadas serem uma obra do Renascimento, uma obra global, pelo grande empenhamento que neles depôs o seu autor, e pela valia estético-literária que possuem, mas ainda pelo assunto que desenvolvem, pelas realidades que focalizam, pelos valores políticos e morais que apresentam, pelos conteúdos epocais e intemporais que veiculam, pela condição, que é a sua, de obra prima da literatura mundial.
E assim é, igualmente, pelos muitos factores, de forte densidade ideológico-cultural, presentes em Os Lusíadas, tais como:
  • a pluralidade das fontes literárias e culturais;
  • a religião, a mitologia, a ciência, a política, o conteúdo histórico-geográfico da antiguidade e da modernidade, com debate de opiniões sobre múltiplos assuntos;
  • as noções cosmográficas, etnográficas, de fauna e flora;
  • os códigos epocais, literários e culturais;
  • as particularidades de linguagem, vocabulário, organização do discurso…
Tudo isto tem a ver com o facto de Os Lusíadas seguirem a tradição da epopeia clássica, que sempre foi aproveitada, pela escola, com finalidades pedagógicas e educativas, versando e estudando, variadas áreas do saber, leitura, gramática, retórica, história, filosofia, geografia…, focalizando, nomeadamente, personagens, acção, mitologia, cultura, ideias, valores…
Assim aconteceu entre os gregos. Homero foi denominado educador da Grécia. Os seus poemas, sobretudo a Ilíada e a Odisseia, eram ditos em ocasiões festivas, por aedos e rapsodos, os poetas que declamavam poemas ao som da cítara, nas festas, celebrando os feitos dos heróis ou acontecimentos importantes, e aproveitados na escola, em lugar central, exercendo grande influência no modelo de educação.
Da cultura grega, a influência de Homero passou à cultura romana, tocando, primeiro, a elite aristocrática, dela transitando para o domínio popular.
Depois, a Eneida, epopeia do povo romano, foi igualmente aproveitada para fins pedagógicos e educativos. Através das epopeias, Grécia e Roma exerceram uma posição revolucionadora e solidária na história da educação humana, tornando-se, por essa via, a antiguidade clássica tesouro inesgotável de saber e de cultura. Pela divulgação que delas foi feita pelos romanos, as epopeias clássicas chegaram às culturas ocidentais, e assim se prolongaram, com influências nos domínios da língua, dos discursos, da religião, dos usos e costumes…, para as epopeias posteriores, que as tomaram como referência.
Assim acontece com Os Lusíadas, precisando, por isso, de ser considerados com atenção especial. Ensinar Os Lusíadas não é tarefa fácil. Os Lusíadas são, sobretudo, uma obra de que se aprende a gostar e que se aprende a ler. E estes dois aspectos aparecem interligados. Gosta-se porque se compreende, e compreende-se porque se aprendeu a ler. Nesta aprendizagem, integra-se, naturalmente, o desenvolvimento do espírito crítico do leitor. E quanto a isto, é preciso chamar a atenção para o facto de Os Lusíadas, como obra clássica que são, poderem pressionar os leitores, sobretudo os mais jovens, interferindo com a liberdade de construírem a sua leitura. Por esse facto, mesmo insistindo-se, junto dos alunos, sobre que, apesar da sua condição, Os Lusíadas são uma obra que, não só admite, mas também suscita leituras, reflexões, tomadas de posição, concordâncias e discordâncias… como qualquer outra, será de compreender, e até de esperar, por parte deles, alguma retracção.
Depois, há dificuldade em seleccionar bibliografia para o seu estudo, pela multiplicidade de autores que se aplicaram sobre ela. Mesmo assim, muitas vezes a escola acaba por aceder àquilo que tem mais disponível, por exemplo: resumos, colectâneas de colagens com referências duvidosas e em enésima mão, manuais de ensino apressadamente elaborados, e até com erros…, seguindo o caminho mais fácil, muitas vezes longe de ser o melhor.
As bibliotecas escolares, apesar do grande avanço operado nos últimos anos, continuam a não estar capazmente apetrechadas, e não existem hábitos de se protagonizarem nem promoverem, através da biblioteca, nas suas dimensões essenciais, biblioteconómica e educativa, projectos de dinamização envolvendo obras literárias. Além disso, dadas a multiplicidade e a complexidade da obra, é preciso fazer opções. Por mais que se reconheça que a abordagem de Os Lusíadas, deve ser diversificada e completa, não há tempo nem meios para que o seu estudo seja realizado numa dimensão integral. Importa, por isso, seleccionar o mais importante, desenvolvendo competências e inculcando saberes que possibilitem outras, novas e mais amplas, leituras, no futuro. Importaria que Os Lusíadas fossem uma das obras de leitura recorrente, para os portugueses. Mas isso só se conseguirá quando as gerações mais jovens tiverem acesso a uma boa preparação escolar de base, neste domínio». In Lino Moreira da Silva, Tópicos para uma Abordagem Renovada de Os Lusíadas, na aula, I Encontro Leituras em Português, Universidade do Minho, IEP, 2005.

Cortesia da Universidade do Minho/JDACT