quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

De Tempos a Tempos. Antologia pessoal. Antologia crítica. Júlio Conrado. «Foi um pioneiro, ainda que com tiques freudianos, impressionistas e excessivamente biográficos ou demasiado românticos. Mas sempre apaixonadamente vivaz, militante em extremo, enfim, incontornável»


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Panorâmicas
Através dos enredos…
[…] Decerto que a vida é ingrata! O ideal seria fazer parar o tempo, de forma a não sermos obrigados a acompanhá-lo. João Gaspar Simões não acompanhou o tempo, mas enquanto se manteve no dele foi um senhor! Podemos hoje discutir a valia dos seus romances, que muitos foram, do seu teatro, porventura, a consistência das suas apreciações enquanto crítico literário, que era uma actividade de todo inconsistente até ele a assumir de corpo inteiro. Mas não podemos desconhecer, repito, que foi um senhor, no sentido em que outro o não igualou. Em terra de cegos, se não foi rei, deu, pelo menos, olhos para ver.
Falou de tudo e de todos: de gente mítica e de gente obscura para o nosso meio:
  • Thomas Mann, Kafka, Broch, Georg Meredith, Joyce, Sigrid Undset. Lawrence, Henry James, Gôngora, Charles Morgan, Radiguet, Pasternak, Clarice Lispector, Jorge de Lima, Bandeira e dezenas e dezenas de outros, muitos dos quais traduziu.
Nem sempre, verdade se diga, pelo conhecimento específico e completo das obras dos autores que tratava, caso, por exemplo, de Joyce, do qual, estou em crer, apenas leu Gente de Dublin, que aliás traduziu, e hipoteticamente O Retrato do Artista Quando Jovem, apesar de profusamente dissertar sobre Ulisses e Finengans Wake. Em todo o caso, o que de vero não conhecia, sabia-o por estudos e recensões alheias, o que lhe permitia estar a par dos sucessos da literatura universal, em oposição ao desleixo do ensino académico. Foi um pioneiro, ainda que com tiques freudianos, impressionistas e excessivamente biográficos ou demasiado românticos. Mas sempre apaixonadamente vivaz, militante em extremo, enfim, incontornável. Na parte que me diz respeito, não me envergonho de dizer que o tive por mestre involuntário. Na verdade, foi através dos seus ensaios O Caderno de um Romancista, Crítica, Temas, Novos Temas, Liberdade de Espírito, Natureza e Função da Literatura, etc., a par das biografias de Pessoa e de Eça, que descobri o que hoje considero a minha natural expressão de escrita.
A que propósito vem esta dissertação e as demais que se vão seguir? Antes de mais, porque não é possível falar-se de um percurso individual de 45 anos sem o contextualizar. E isto pela simples razão de que ninguém nasce por gestação espontânea. Depois, porque um tal período de actividade literária, necessariamente colhe alternâncias e modos diferentes de pontos de vista, quanto mais não seja porque os próprios objectos em análise, temporais e de circunstância, os reflectem. E, finalmente, porque quem tão cedo se iniciou na crítica literária, como Júlio Conrado, à força que teve João Gaspar Simões como referência, como coisa decorrente da geração em que foi enformado, pese embora o facto de, mais tarde, ter escolhido outros orientadores».
In Júlio Conrado, De Tempos a Tempos, Ramiro Teixeira, Através dos enredos dos 45 anos de vida literária de Júlio Conrado, Panorâmicas, Antologia pessoa, Antologia crítica, Roma Editora, 2008, ISBN 978-989-8063-32-8.

continua
Cortesia de Roma E./JDACT