O Pernix Lysis. O "luso Ágil" de Avieno. Ora Marítima, 196.
«Pernix lucis (Lucis),
lição tradicional no texto de Rúfio
Festo Avieno, por nós fixada em pernix Lysís ( = Lusis), ao procurar reforçar a tese de
Mendes Correia, que desejou ver neste verso a primeira referência literária a
um povo do mesmo tronco étnico dos Lusones (Lusões) e Lusitani (Lusitanos).
Será um provável testemunho do século VI a.C., se bem que Avieno se situe no século IV d.
C.: o geógrafo latino teria utilizado fontes documentais muito antigas,
porventura um périplo de autor massaliota, di-lo A. Schulten, mas com
mais razão afirmou Eduardo Prescott Vicente, que Avieno se servira de
dois relatos antigos de viagens, um marítimo, outro terrestre, pois a toponímia
que reproduz torna-se rara em textos de geógrafos posteriores ao século VI a.
C., como observou subtilmente o grande investigador das antiguidades hispânicas
que foi A. García Bellido.
Assim, o verso 196 da Ora maritima (Orla Marítima), que na lição mais antiga teria sido:
- Ophiussae in agro propter hos pernix lucis,
deverá antes ler-se, em edição crítica, desta forma:
- Ophiussae in agro. Propter hos, pernix Lysis.
Porque se impôs tal revisão? Antes de mais, porque o conjunto pernix
lucis nos surge no contexto de um enunciado de povos, e só como
designativo de um deles se entende. Se não, vejamos:
Cempsi atque Saefes árduos colles habent
Ophiussae in agro. Propter lhos, pernix Lysis
Draganumque proles sub niuoso maxime
Septentrione collocauerant larem.
Paetanion autem est insula ad zephyrum latens,
Patulusque portus: inde Cempsis adiacent
Populi Cynetum: tum Cyneticum iugum',
[…]
Os cempsos e os sefes povoam colinas escarpadas
No agro de Ofiussa. Não longe deles, o Luso ágil
E os filhos dos Dráganas haviam-se fixado,
De preferência, nos montes nevados do Norte.
Para Ocidente, há, uma ilha, Petânion,
E um grande porto. Com os Cempsos confinam
As gentes dos Cinetes; depois o cabo cinético,
[...]
Não se estranhe, pois, se a lição tradicional pernix lucis, contendo um
etnónimo, passou, nas edições críticas, a pernix Lucis. Mas que Povo designaria?
Dos que a Antiguidade nos transmitiu, nenhuma denominação se ajustava a
Lucis,
a não ser uma vaga aproximação fonética com Lusones e Lusitani
(se atribuíssemos à velar surda c do
latim clássico o valor sibilante que veio efectivamente a tomar antes de i ou e na linguagem vulgar e no latim tardio). E terá sido por essa razão
que o comentador germânico Schrader propõe a substituição de Lucis
por Ligus,
tendo-se antes dado conta de uma dificuldade de ordem métrica, que ficaria
assim também resolvida; o poema de Avieno
está redigido em senários jâmbicos; logo, a penúltima sílaba do verso (Lu- de Lucis) deverá ser breve,
o que não acontece na palavra Lucis, mas sim em Ligus, que, na aparência, resolveria a
dificuldade, com uma referência aos Lígures. Porém, se o etnónimo cabe
no esquema métrico, dificuldades de ordem histórico-geográfica não aconselham a
sua adopção. E terá, sido esta a razão por que Mendes Correia propôs e defendeu a substituição de Lucis
por Lusis,
posição aceite por cientistas como Bosch-Gimpera e Scarlat Lambrino.
Mas os filólogos continuavam a opor dúvidas aos etnólogos… Como
resolver o problema da quantidade silábica, de longa para breve, ou seja de Lüsis
para Lüsis?».
In
Justino Mendes de Almeida, Estudos de História da Cultura Portuguesa, Academia
Portuguesa da História, Universidade Autónoma de Lisboa, O Pernix Lysis,
Lisboa, 1996.
Cortesia da AP de História/JDACT