quarta-feira, 4 de maio de 2016

A Filha do Conspirador. Philippa Gregory. «O rei, o novo rei, nosso rei, faz uma reverência cómica e zombeteira para Isabel e afaga o meu rosto. Ele nos conhece desde que éramos muito pequenas, jovens demais para vir a esse tipo de banquete»

jdact e wikipedia

Torre de Londres. Maio de 1465
«Minha mãe segue na frente, uma lady, grande herdeira por direito próprio e esposa do maior súbdito do reino. Isabel vem logo atrás, porque é a mais velha. E então eu: venho por último, sempre por último. Não consigo ver muita coisa ao entrarmos no grande salão da Torre de Londres, e minha mãe conduz minha irmã na direcção do trono para fazer uma mesura e afasta-se para o lado. Isabel curva-se lentamente, como fomos instruídas, pois um rei é um rei, mesmo que seja um jovem posto no trono por meu pai. A sua esposa será coroada rainha, independentemente do que possamos pensar dela. Então, quando avanço para fazer a minha reverência, tenho o primeiro vislumbre da mulher à qual viemos prestar homenagens. Ela é de tirar o fôlego: a mulher mais bela que já vi em toda a minha vida. Imediatamente entendo por que o rei interrompeu a marcha do seu exército quando a viu pela primeira vez e se casou com ela em poucas semanas. O sorriso dela abre-se devagar e reluz, como o de um anjo. Já vi estátuas que pareceriam banais ao seu lado, já vi pinturas de madonas cujas feições seriam consideradas grosseiras se comparadas ao seu pálido e luminoso encanto. Ergo-me da minha reverência para observá-la, como se fosse um ícone raro, não consigo desviar o olhar. Sob o meu exame minucioso a sua face aquece-se, ela corou, sorriu para mim, e não consigo deixar de retribuir o gesto. Diante disso ela ri, como se achasse divertida a minha evidente adoração, e então vejo o olhar furioso de minha mãe e ando depressa para o seu lado, onde minha irmã Isabel exibe um semblante fechado. Encarou-a como uma bôba, sibila ela. Envergonhando-nos a todos. O que diria o pai? O rei dá um passo à frente e beija a minha mãe calorosamente em ambas as faces. Alguma notícia do meu caro amigo, seu senhor?, pergunta ele. Está realizando um bom trabalho ao seu serviço, responde minha mãe prontamente, pois o pai não comparecerá ao banquete de hoje nem às demais celebrações. Ele tem uma reunião com o rei da França em pessoa e com o duque de Borgonha, de igual para igual, para estabelecer a paz com esses homens poderosos da cristandade, agora que o rei adormecido foi derrotado e nós somos os novos soberanos da Inglaterra. Meu pai é um grande homem; representa esse novo rei e todo o país. O rei, o novo rei, nosso rei, faz uma reverência cómica e zombeteira para Isabel e afaga o meu rosto. Ele nos conhece desde que éramos muito pequenas, jovens demais para vir a esse tipo de banquete, e ele era um menino sob os cuidados de nosso pai. Enquanto isso, a minha mãe olha ao redor como se estivéssemos em casa, no Castelo de Calais, procurando algum defeito nos afazeres dos criados. Sei que ela anseia por ver algo que possa relatar mais tarde ao meu pai como prova de que esta, a mais linda das rainhas, não é adequada para a posição. Pela expressão amarga no seu rosto, imagino que não encontrou nada. Ninguém gosta dessa rainha, eu não deveria admirá-la. Não nos deveríamos importar com o facto de ela sorrir amistosamente para mim e Isabel, de ela levantar-se do seu grandioso assento para vir em direcção à minha mãe e apertar a sua mão. Estamos todos determinados a não gostar dela. Meu pai tinha planeado um bom casamento para este rei, um óptimo acordo com uma princesa da França. Trabalhou nisso, preparou o terreno, esboçou o contrato de casamento, convenceu pessoas que odeiam os franceses de que a união seria boa para o país, de que protegeria Calais, de que poderia até trazer Bordeaux de volta aos nossos domínios. Mas então Eduardo, o novo rei, o exuberante novo rei cuja beleza faz os corações pararem de bater, o nosso querido Eduardo, que meu pai considerava como um irmão mais novo, e nós, um tio ilustre, comunicou, de maneira tão simples como se estivesse ordenando que o jantar fosse servido, que ele já era casado e que nada poderia ser feito a respeito. Já era casado? Sim, e com Ela. Ele cometeu um grande erro ao agir sem o conselho do meu pai, todos sabem disso. Foi a primeira vez que ele fez isso durante a longa e triunfante campanha que tirou a Casa de York da vergonha, quando eles tiveram de implorar perdão ao rei adormecido e à rainha má, levando-a à vitória e ao trono da Inglaterra. Meu pai esteve ao lado de Eduardo, aconselhando-o e guiando-o, ditando cada movimento seu. Sempre avaliando o que era melhor para ele. O rei, ainda que seja um rei agora, é um jovem que deve tudo a meu pai». In Philippa Gregory, A Filha do Conspirador, 2012, A Guerra dos Primos, volume IV, Civilização Editora, 2013, ISBN: 978-972-263-519-6.

Cortesia de CivilizaçãoE/JDACT