terça-feira, 24 de maio de 2016

As Filhas do Graal. Elizabeth Chadwick. «A tremer de tensão, Claire entrou na alcova onde passaria a sua noite de núpcias. Tapeçarias bordadas de escarlate, azul e ouro adornavam as paredes e afastavam as correntes de ar»

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As Montanhas Negras do Alto Languedoc. Verão de 1207
«(…) Sobrinha?, Chretien inclinou-se na sua direcção, um olhar de preocupação no seu rosto. O que tens? Bridget forçou-se a sorrir. Como poderia ela explicar que o seu corpo estava a vibrar de desejo de estar no lugar da noiva nessa noite? Estou esmagada com toda esta abundância, disse ela, e muito cansada. Já passa da hora de ir em busca da minha enxerga. Não, terminem o vosso vinho. Eu gostava de ter um pequeno momento a sós, antes de dormir. Pressionou-lhe ligeiramente o braço e afastou-se do sagaz escrutínio do seu tio. Lá fora, o morno ar da noite transportava o perfume do carvão quente e da carne a cozinhar nos braseiros que ardiam no pátio. O som do alaúde e da flauta, o bater dos tamborins, seguiam implacavelmente Bridget, ricocheteando nas suas virilhas em regulares ondas de desejo. Ela parou para encostar a testa contra a pedra fria das paredes do castelo e respirou profundamente, procurando acalmar-se. Bridget? Bridget, minha querida? Ela olhou para cima para ver uma mulher alta que se aproximava rapidamente.
Geralda? Bridget deu um passo em frente e foi envolvida num forte abraço maternal. Acabei de ver Chretien e Matthias no salão e eles disseram-me que te encontraria aqui fora. Deixa-me olhar para ti! Ainda agarrando Bridget pelos ombros, Geralda de Lavaur examinou-a atentamente. Tão parecida com a tua mãe. Lágrimas brilhavam nos seus escuros olhos de avelã - Chretien contou-me que a mataram. Tenho tanta pena. Ela está junto da Luz. Bridget pestanejou com os olhos igualmente cheios de lágrimas. Foi apanhada por uns frades pregadores a curar uma mulher doente numa das aldeias da montanha. E foi torturada. A sua voz quebrou-se. Sinto tanto a sua falta. O abraço de Geralda fechou-se novamente em sua volta e Bridget estremeceu e deu livre expressão a uma tempestade de dor e lágrimas, enquanto Geralda a abraçava e confortava como a uma criança. Finalmente, recompondo-se, Bridget fez um esforço determinado e afastou-se.
O meu tio contou-lhe que íamos a caminho de Lavaur, ao seu encontro? Disse, sim, e são muito bem-vindos. Tenho alguns novos manuscritos que quero que Matthias veja. O povo quererá ouvir Chretien e procurar as tuas curas. Os frades não ousarão interferir comigo! Os seus olhos reluziam de ferocidade. Bridget sabia que Geralda tinha todas as razões para estar confiante. O seu irmão, Aimery, era um dos mais importantes guerreiros no sul. Todas as razões, e, no entanto, a bruxuleante luz das tochas pintou negros buracos sob as maçãs do rosto de Geralda, e aprofundou-lhe as órbitas de sombra, até a sua face se transformar numa caveira. A tremer, Bridget começou a caminhar na direcção do pequeno abrigo que ela e os seus guardiães tinham montado encostado às muralhas junto do portão principal. A sua sensação de mau agouro aumentou quando ela e Geralda passaram a casa do poço. Por um momento, Bridget soube que, se o permitisse, a visão viria com horrível claridade para lhe mostrar o que ela não desejava ver. Fechou a sua mente, expulsando a premonição, apagando-a da existência. Como forma de distracção, interrogou a amiga a respeito do casamento.
Geralda não podia estar mais desejosa de a satisfazer. Eu conheço o Raoul desde que era criança de colo, disse ela calorosamente. É meu afilhado, sabes? Ou era, quando eu pertencia à igreja de Roma. Ele e Claire estão prometidos desde que eram pequenos. Parecem feitos um para o outro, não parecem? Bridget murmurou que pareciam, com efeito. O seu olho interior não recusou ser bloqueado e encheu-se com outra imagem, a de Raoul Montvallant e a sua noiva, os membros entrelaçados sobre frescos lençóis de linho. Febril calor corporal. Enquanto Geralda continuava a tagarelar, Bridget viu a Lua erguer-se sobre as muralhas do castelo, adornando de prata o céu, e viu um homem e uma mulher, viu luz e escuridão e fogo.
A tremer de tensão, Claire entrou na alcova onde passaria a sua noite de núpcias. Tapeçarias bordadas de escarlate, azul e ouro adornavam as paredes e afastavam as correntes de ar, e, onde não havia tapeçarias, o estuque era pintado com delicadas figuras representando flores, vinhas e rolos de folhagem. A grande cama de madeira de nogueira dominava a sua consciência. Os reposteiros de damasco azul e escarlate tinham sido recolhidos para revelar uma colcha de fina seda azul-escura trabalhada com luas e estrelas de fio de prata. As criadas tinham-na dobrado para trás, deixando ver um travesseiro e lençóis de prístino linho branco que aguardava a inscrição do seu sangue virginal. Se as suas pernas não estivessem a tremer de medo, ela teria fugido do aposento. Uma criada tinha deixado uma infusão de vinho e especiarias a fervilhar na lareira. Beatrice, a mãe de Raoul, conduziu Claire até perto do fogo e fê-la parar sobre um tapete de carneiro enquanto as serviçais a despiam». In Elizabeth Chadwich, As Filhas do Graal, 1993, tradução de Ester Cortegano, Edições Chá das Cinco, 2013, ISBN 978-989-710-050-5.     


Cortesia de CdasCinco/JDACT