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No
Oriente
«(…)
Das poesias lyricas escriplas por Camões no Oriente, tres sobretudo constituem documentos
importantes para a historia da sua paixão pela infanta. São ellas, por ordem chronologica,
a elegia 3.ª (O poeta Simonides fallando),
a canção l0.ª (Junto de um secco, duro, estéril
monte) e a canção 6.ª (Com força desusada).
A elegia 3ª foi composta, pelo menos em parte, no fim do anno de 1553 ou no começo
de 1554, para ser remettida ao seu destino pelas naus que iam partir para o reino
(a elegia foi escripta ou pelo menos concluída talvez em Cochim, depois da
expedição contra o rei da Pimenta; é possivel, com effeito, que o poeta para alli
acompanhasse o vice-rei Affonso Noronha, que ia dar pressa ás naus do reino; estas,
no dizer de Couto, partiram até 15 de Janeiro; M. Perestrello, que voltava na S. Bento, em que fora o poeta, diz que partiram
no dia 1 de Fevereiro). Para bem se comprehender o estado de espirito do poeta ao
escrever esta elegia, cumpre ter presente que, quando elle embarcou para a Índia,
o casamento da infanta era cousa definitivamente assente e não devia tardar muito
a effectuar-se. O futuro rei de Espanha havia mandado a Lisboa Ruy Gomez Silva,
que sobre o assumpto se tinha intendido com João III [O pouco sincero irmão da infanta
ficou preso em uma armadilha que elle próprio tinha preparado, por conselho do activo
e astuto Lourenço Pires Távora, embaixador junto de Carlos V; quando este, formando
novos planos políticos, resolveu casar o príncipe seu filho com uma filha do rei
dos romanos e destinou a infanta dona Maria para o archiduque Fernando, Lourenço
Távora avisou logo João III do novo perigo e aconselhou o alvitre de levar a
infanta a não desistir do seu casamento com o filho de Carlos V; era o meio seguro
de inutilizar o novo projecto matrimonial; a infanta, que tanto desejava casar com
o sobrinho, accedeu de bom grado ás indicações que neste sentido lhe foram dadas;
mallogrados, porém, dentro em pouco os planos de Carlos V, não restava a João III
senão mostrar rosto alegre…, e arranjar novos pretextos para adiar o enlace da
irmã com o futuro rei de Espanha; vejam-se as duas curiosas cartas de Lourenço Távora,
escriptas em Dezembro de 1550, uma a João III e outra á infanta, e publicadas na
Historia de varões illustres do appellido
Távora de Ruy Lourenço de Távora; a carta dirigida á infanta é um modelo de
cynismo…, diplomático]. Estava regularizada a questão da entrega do dote e agora
o único pretexto que restava ao monarca português era a expressa acquiescencia do
imperador, acquiescencia que elle…, tinha pejo
de sollicitar, apesar das instancias da já outras vezes ludibriada senhora [oiçamos
o próprio João III historiando o caso, quando as suas conveniências politicas
lhe fizeram perder o pejo, embora já fosse
tarde: Ruy guomcz se despedio de mim &,
depoys de ser com o Primcepe, me screueo o Primcepe muitos cõtentamentos da rresposta
que lhe mandara pelo dito Ruy guomez, da qual todauia comuinha auisar o Emperador,
por ele asy lhotiher mãdado. Sabemdo a Imfanta minha Irmaã os termos e que este
neguocio estaua & como aymda se auia desperar por rresposta do Emperador, me
pedio que eu lhe quisesse despachar huu correo, pelo qual lhe fizese saber o comtentamento
q eu tinha de se este negocio fazer & dos termos em q estaua & do que eu
nele acerqua de seu dotte podia fazer. Porque emtemdia q, em quanto o Emperador
ysto nam tiuesse sabido de mim, nam poderia o neguocio deixar de pasar a gramde
dilaçam; & com quanto eu em toda cousa deseje sempre dar todo comtentamento
posiuel a Imfamte minha Irmãa, nesta em q me falou tiue pejo para o nam fazer como
lho aela parecia. Porque deixar de o por em obra como mo rrequeria nam era causa
de se o negocio deixar de fazer estamdo elle tamto adiamte como estaua. Carta
a António Saldanha, na Torre do Tombo, Mss. de S. Vicente de Fora. A carta não tem
data, mas foi enviada no fim de Agosto de 1553, como se infere de outra carta].
Do publico, porém, não era conhecido esse pejo,
e quando Camões enviou para o reino a elegia 3.ª, estava convencido de que a sua
bem-amada já se achava em terras de Castella, casada com o principe Philippe. Que
restava ao desolado poeta? Varrer da memoria o seu doce sonho, que já não servia
senão para o entristecer e magoar.
Vejamos
como elle nos revela o estado da sua alma:
«O poeta
Simonides, fallando
Co capitão
Themistocles um dia,
Em cousas
de sciencia praticando,
Um'arte
singular lhe promettia,
Que então
compunha, com que lhe ensinasse
A lembrar-se
de tudo o que fazia;
Onde
tão subtis regras lhe mostrasse,
Que nunca
lhe passassem da memoria,
Em nenhum
tempo, as cousas que passasse.
Bem merecia,
certo, fama e gloria
Quem
dava regra contra o esquecimento
Que sepulta
qualquer antiga historia.
Mas o
capitão claro, cujo intento
Bem differente
estava, porque havia
Do passado
as lembranças por tormento,
Oh illustre
Simonides (dizia),
Pois
tanto em teu engenho te confias.
Que mostras
á memoria nova via:
Se me
desses um'arte, que em meus dias
Me não
lembrasse nada do passado,
Oh quanto
melhor obra me farias!
Se este
excellente dito ponderado
Fosse
por quem se visse estar ausente,
Em longas
esperanças degradado,
Oh como
bradaria justamente:
Simonides,
inventa novas artes;
Não midas
o passado co presente!
Que,
se é forçado andar por varias partes
Buscando
á vida algum descanso honesto,
Que tu.
Fortuna injusta, mal repartes,
E se
o duro trabalho, é manifesto
Que,
por grave que seja, ha de passar-se
Com animoso
esprito e ledo gesto
[…]
In José Maria Rodrigues, Camões e a
Infanta D. Maria, Separata do Instituto, Imprensa da Universidade de Coimbra,
Coimbra, 1910, há memória do Mal-Aventurado Príncipe Real Luís Philippe (3 1761
06184643.2), PQ 9214 R64 1910 C1
Robarts/.
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