«(…) Wojtyla pessoalmente considerava-se um homem do Concilio e,
como arcebispo da Cracóvia, no início da década de 1970 chegara até a escrever
um livro, Fontes de
renovação, no qual explicava como a visão do Vaticano II
devia ser implementada. Mas, na mente de Wojtyla, esta visão partia de uma
perspectiva polonesa, que envolvia o laicato, mas cujo impulso procedia de
cima, da hierarquia. O seu programa como papa deveria, por conseguinte,
devolver a ordem ao caos da igreja pós-conciliar: estancar o êxodo de padres,
religiosos e freiras; trazer de volta à obediência os teólogos insubordinados;
e reimpor a doutrina tradicional, especialmente no campo da moralidade sexual,
que ele considerava imutável. Para aqueles que achavam que o Concílio ainda não
tinha sido inteiramente implementado, ficou rapidamente muito claro que, sob
João Paulo II, a maré havia virado e começava então uma era de restauração.
Mas
para um homem da força de João Paulo, restauração não era bastante. Ele também
tinha um programa expansionista. Em a sua primeira encíclica, Redemptor hominis, ele exprimiu muito claramente uma visão
apocalíptica da paz do mundo para o ano 2000. Por volta de meados da década de
1980, ele dera um nome a esta visão: a Nova Evangelização. Este ficou sendo o
programa de seu pontificado, servindo como uma espécie de fórmula resumida dos
inúmeros valores tradicionais que ele queria restaurar. Embora o ímpeto
missionário de João Paulo seja concebido em escala mundial, o papa tem uma
perspectiva particular para a Europa. Aqui, Nova Evangelização significa não
apenas uma revitalização dos valores cristãos, mas também a restauração de uma
cristandade jamais vista desde o apogeu do Sagrado Império Romano, ou seja, uma
Europa Católica do Atlântico aos Urais. Para realizar um programa ambicioso e
militante como este, o papa precisava de forças, e nisto ele foi vivo o
bastante para perceber que os movimentos tinham em comum algumas configurações
que se ajustavam admiravelmente aos seus objectivos e que poderiam ser muito
bem aproveitadas sob a sua carismática liderança.
No
interior da Igreja, os movimentos pareceram oferecer soluções para muitos dos
problemas do pontífice: produziram um número muito grande de vocações ao
sacerdócio, à vida religiosa e às novas formas de vida comunitária com
estruturas próprias, reforçando assim, de maneira muito intensa, a fidelidade
do papa ao celibato sacerdotal; no que concerne à interpretação das Sagradas
Escrituras e à teologia, eles são conservadores a ponto de chegarem até uma
espécie de fundamentalismo; no que se refere à moral, eles não apenas rejeitam
o relativismo condenado por João Paulo, como ainda aplicam rigorosamente entre os
seus membros e no interior da sua esfera de influência pastoral os valores
morais absolutistas que ele mesmo prega; eles põem a maior ênfase num programa
de introspecção espiritual, abandonando a urgência dos temas de justiça e paz,
que ficam, assim, relegados a um futuro
mundo melhor que o movimento haverá de criar.
As
estruturas dos movimentos também fizeram deles instrumentos ideais para o projecto
papal de uma Nova Evangelização. Estes movimentos são centralizados de maneira
muito forte em torno de Roma (ou de Milão, no caso da CL), com todas as
diretrizes sobre actividades espirituais e práticas locais emanando directamente
do centro, usualmente o próprio fundador. O sistema de comunicação interna de
cada um desses movimentos é altamente sofisticado, acoplado a uma cadeia de
comando clara e eficiente, e permite obter respostas imediatas em plano
mundial. Estes movimentos congregam pessoas das mais diferentes categorias:
crianças, jovens, casais, padres, religiosos de ambos os sexos, e até mesmo
bispos. Eles constituem verdadeiras igrejas em miniatura, ou fatias da Igreja,
sendo, por isso, auto-suficientes». In Gordon Urquhart, A Armada do Papa, tradução
de Irineu Guimarães, Editora Record, 2002, ISBN 978-850-106-222-2.
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