Enquadramento Político, Económico e Social da Ditadura Militar
«(…) No campo oposicionista, porém, a dinâmica conspirativa mantém-se. Depois
de solucionadas as divergências entre os comités militares e os linguistas e
exilados no exterior acerca dos caminhos a seguir para derrubar a Ditadura, a revolução
sai à rua no dia 20 de Julho por iniciativa do Batalhão de Caçadores 7,
com o objectivo de pôr fim à degradante situação financeira e às soluções austeras
preconizadas por Salazar e capitalizar, a seu favor, a agitação vivida nos três
centros universitários do país e a situação de numerosos militares e civis.
Paralelamente, o recente fiasco do pedido de empréstimo à SDN, o apoio inequívoco
da Igreja, da Inglaterra e da Espanha à manutenção da Ditadura, a eleição de
Carmona e a afinação dos métodos repressivos e policiais terão levado muitos a
optar pela revolução. Uma revolução que, contudo, sai vencida à partida:
ensaiada desde Maio, o processo de preparação que a antecedeu é desarticulado
em inícios de Junho quando os seus principais organizadores (comandante Jaime Morais
e capitães Chaves e César Almeida) são presos. Com ramificações a nível
nacional, dura 12 horas na capital, salda-se em numerosos danos materiais e na
prisão e deportação (Angola e Timor) de centenas de militares e civis (a grande
componente do movimento) e potencia apoios à situação por constituir mais
um forte impedimento à recuperação económica e financeira. Salazar, esse,
continua a sua ditadura financeira e, em Setembro, reduz as despesas nos
Ministérios da Guerra, do Comércio e das Comunicações e da Instrução Pública.
A Ditadura era, pois, o garante da ordem e do equilíbrio. Reposta a
disciplina nas ruas, acautelado o equilíbrio orçamental e desarticulada a
oposição republicana democrática, Salazar introduz um factor de confiança para
os agentes económicos numa economia em que as políticas orçamentais (tendem) a dar
prevalência à estabilidade sobre o crescimento económico e em que os saldos
orçamentais passam a ser positivos a partir de 1928 - 1929: logo no início do
ano, procede à liquidação de importantes prestações da dívida de guerra e da dívida
flutuante, conquistando o reconhecimento internacional; reforma a Caixa Geral
de Depósitos e o Banco de Portugal, lançando o crédito público às actividades
económicas; anuncia medidas de reactivação das obras públicas (expansão da rede
ferroviária e telefónica, aproveitamento hidroeléctrico dos rios Douro e
Zêzere, programa de obras de hidráulica agrícola, infra-estruturas portuárias e
viárias, etc.); em Junho faz aprovar o Orçamento para 1929 - 1930 com um saldo
positivo de 8500 contos e anuncia ao país a extinção da dívida flutuante externa
quedando-se saldadas as contas com o estrangeiro. Paralelamente, instaura a
reforma tributária e desenvolve um rigoroso saneamento nas administrações
coloniais, sobretudo em Angola. A Ditadura possui finalmente um projecto uno e
coerente, com prioridades definidas e rumos certos, cujo conteúdo político se
traduz na concertação de uma plataforma económico-social e política comum (síntese
histórica das direitas portuguesas numa única direita) viabilizadora da
crescente hegemonização da Ditadura Militar pela corrente salazarista.
Mas, na sequência da portaria de Junho de Mário Figueiredo, amigo de
Salazar em Viseu e Coimbra e então tutelar da pasta da Justiça e dos Cultos (10/11/28
– 8/7/29), a questão religiosa precipita a demissão de ambos os católicos em
sinal de protesto contra a revogação da portaria dos sinos pelo Conselho
de Ministros do Governo de Vicente Freitas. Depois de reunir com Salazar,
Carmona aceita o seu pedido de demissão formalizado em nome de todo o gabinete,
e chama Ivens Ferraz para formar novo governo (8/7/1929 - 21/1/1930).
O êxito da prática financeira reconfirma Salazar na pasta das Finanças
que prossegue, agora, uma estratégia de redução da oposição entre os sectores
mais visados pelas dificuldades do momento. Por um lado, autoriza medidas de
protecção à agricultura, sobretudo no Centro e Sul do país, e, em finais de Agosto,
faz aprovar as bases para a organização da Campanha do Trigo». In
Cristina Faria, As Lutas Estudantis Contra a Ditadura Militar, 1926-1932,
Edições Colibri, Lisboa, 2000, ISBN 972-772-201-6.
Cortesia de E.
Colibri/JDACT