1095. Novembro. em Auvergne, uma região
montanhosa no centro de França...
«(…) Tendo-se entusiasmado, o papa
saiu da igreja, subiu a uma plataforma de madeira e começou a dirigir-se a um ajuntamento
ainda maior, cujos números haviam forçado a área de encontro disponível do Champet
e os serviços que a vila era capaz de fornecer: Esta terra que habitais, cercada
de todos os lados pelos mares e rodeada pelos picos das montanhas, é demasiado estreita
para a vossa vasta população; tão-pouco abunda em riquezas; e mal fornece comida
suficiente para os seus cultores. Por isso é que vos matais uns aos outros, que
fazeis guerra, e que frequentemente pereceis por ferimentos mútuos. Deixar então
que o ódio parta de entre vós, deixai que acabem as vossas disputas, deixai cessar
as guerras e deixai dormir todas as dissensões e controvérsias. Entrai na estrada
para o Santo Sepulcro, arrancai essa terra à raça perversa e sujeitai-a a vós… Deus
conferiu-vos sobre todas as nações grande glória nas armas. Empreendei então esta
jornada pela remissão dos vossos pecados, com a certeza da glória imperecível do
reino dos céus.
Gritos de Deus vult, Deus vuit,
ergueram-se em concordância sobre os campos gelados de Clermont. Deus o quer,
Deus o quer. Não tardaria que isto se tornasse num purulento slogan
de propaganda para o recrutamento de milhares de soldados rasos.
Apesar do ar lânguido, o discurso
motivacional de Urbano parecia ter um efeito muito mais revigorante do que o registado
em Placência. Por isso, continuou, com um floreado adicional de demagogia: eles
derrubam e profanam os nossos altares..., pegarão num cristão, abrir-lhe-ão o estômago
e amarrar-lhe-ão o intestino a uma estaca; depois, estocando-o com uma lança,
fá-lo-áo correr, até que arranque as próprias entranhas e caia morto no chão. O
papa usou então um isco que lhe garantia aumentar o número de participantes na
sua causa.
Todos os que morrerem pelo caminho,
seja por terra ou por mar, ou em combate contra os pagãos, terão a imediata remissão
dos pecados. Isto lhes concedo pelo poder de Deus, do qual estou investido. Oh,
que desgraça se uma tão desprezada e ignóbil raça, que venera demónios, conquistasse
um povo que tem a fé de Deus omnipotente e que o nome de Cristo torna gloriosa!
Com que censuras nos esmagará o Senhor se não ajudardes aqueles que, como nós, professam
a religião cristã! Que aqueles que injustamente se habituaram a travar guerras privadas
contra os fiéis vão agora contra os infiéis e acabem com uma vitória esta
guerra que há muito devia ter sido começada. Que aqueles que, durante muito
tempo, foram ladrões se tornem agora cavaleiros. Que aqueles que têm lutado
contra os seus irmãos e parentes lutem agora de forma correcta contra os
bárbaros. Que aqueles que têm servido como mercenários por um pequeno salário
obtenham agora a recompensa eterna. Que aqueles que se têm desgastado de corpo
e alma trabalhem agora por uma honra dupla. Vede! Deste lado estarão os tristes
e os pobres, daquele, os ricos; deste lado, os inimigos do Senhor, daquele, os
seus amigos. Que aqueles que vão não adiem a jornada, mas que arrendem as suas
terras e recolham dinheiro para as suas despesas; e assim que o Inverno acabar
e a Primavera chegar, que se ponham ardentemente a caminho com Deus como seu
guia.
Curiosamente, apesar de toda a
conversa do papa abordando a libertação das Terras Santas, incluindo as suas cartas
seguintes, quase não foi feita qualquer menção a dois dos seus mais importantes
locais sagrados. O cronista Fulquério de Chartres, que assistiu ao discurso em Clermont,
não faz qualquer menção ao facto de Urbano ter discutido a libertação de Jerusalém
ou do seu templo mais sagrado, a Igreja do Santo Sepulcro, o local da sepultura
de Cristo, só de ter pedido para ajudar rapidamente esses cristãos e destruir essa
raça vil, os turcos, das terras dos nossos amigos». In Freddy Silva, Portugal, a
Primeira Nação Templária, 2017, Alma dos Livros, 2018, ISBN 978-989-890-700-4.
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