domingo, 30 de setembro de 2018

Um Intelectual na Política. Mário Pinto Andrade. «Mas os jovens intelectuais organizam-se e inscrevem-se alvoroçadamente nas associações regionalistas que levavam, e levam ainda, uma actividade de carácter reformista»

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Literatura e Nacionalismo em Angola
«(…) Face ao combate conduzido pelas autoridades portuguesas que, pelo primeiro quarto deste século, acabava a pacificação militar da colónia, jornalistas e homens de letras angolanos opunham uma resistência ao obscurantismo e à violência, por uma verdadeira campanha de imprensa. Os jornalistas que se ergueram contra as arbitrariedades da administração colonial, a qual procedia à expropriação sistemática das terras e dos bens das massas ditas indígenas, são os precursores da literatura nacionalista em Angola. A polémica e o ensaio eram os únicos géneros praticados pelas gerações do começo do século. Entre as figuras mais notórias devem evocar-se os nomes de Tadeu Bastos, Silvério Ferreira, Paixão Franco ou o cónego Pereira Nascimento. As novas gerações do pós-guerra vão, pois, alimentar-se destes exemplos. No decurso da sua procura de afirmação de um nacionalismo cultural, elas procedem à revalorização das obras destes precursores e reclamam-se da sua mensagem.
Aqui, a maturação da consciência nacional depende, Por um lado, da identificação com as figuras históricas da resistência e, por outro, da captação do real africano. Na busca de uma via autêntica para a criação literária, os jovens intelectuais lançam-se a estudar o desenvolvimento da cultura africana no Novo Mundo e em particular no Brasil. Vejo três razões para isso:

Em primeiro lugar, o laço histórico que une Angola ao Brasil através do importante tráfico de escravos capturados nas costas angolanas; depois, e como consequência deste laço histórico, a existência de um cultural pattern, devedor da contribuição desta parte de África; finalmente, esta larga abertura ao mundo que o Brasil permitia devido à livre expressão das ideias neste país.

Trata-se aí de um verdadeiro movimento de retorno da cultura brasileira a uma destas origens africanas. Um estudo aprofundado sobre o aspecto formal do conto e da poesia da jovem geração angolana revelaria o lugar importante ocupado pelo Brasil. Portanto, entre 1925 e o pós-guerra poucas obras são de lançar ao crédito da literatura angolana, salvo um romance de costumes Segredo da Morta, de António Assis Jr., publicado em Luanda em 1935. É apenas em 1948 que os jovens intelectuais, repensando, à medida das novas circunstâncias, o exemplo das gerações precedentes, fundam em Luanda um movimento cultural que adopta como palavra de ordem um apelo nacionalista Vamos descobrir Angola. Deste esforço de pensamento vão nascer o conto e a poesia angolanos. À volta de Viriato Cruz, que empreende um verdadeiro inquérito à vida das populações indígenas e sabe reproduzir de forma feliz a linguagem popular na sua poesia, outras vocações literárias manifestam-se. A poesia de Viriato Cruz inaugura a corrente nacionalista moderna, moldada por vezes, numa forma regional.
No momento em que ele aparece na cena literária, dois poetas de transição, Bessa Victor e Maurício Gomes, encontravam-se prisioneiros das velhas formas da poesia portuguesa e distanciados das aspirações populares, enquanto Óscar Ribas prosseguia o seu trabalho de fixação dos aspectos nitidamente folclóricos da vida angolana pelo romance e pelo conto e Castro Soromenho desmistificava já, nas suas obras, o comportamento pseudo-humanista do colonizador português em Angola.
Mas os jovens intelectuais organizam-se e inscrevem-se alvoroçadamente nas associações regionalistas que levavam, e levam ainda, uma actividade de carácter reformista. Logo de entrada, escolhem as tarefas mais directamente ligadas à elevação do nível das massas populares, como a campanha contra o analfabetismo. Pelo ardor nacionalista que põem nas suas actividades constituem um perigo para a administração colonial. Vários deles vêem-se expulsos dessas associações, não sem terem criado antes revistas culturais, como Mensagem, que data de 1951, assim como o Movimento dos Novos Intelectuais de Angola. Depois foi a febre dos clubes literários. Poetas negros e brancos nascidos na colónia exaltam o nascimento de uma nova consciência ligada à terra, procuram um equilíbrio da linguagem, enriquecem a língua de dominação, dão à expressão do canto popular uma feição nova e introduzem, enfim, na sua mensagem um conteúdo social. Desenvolve-se uma literatura de emancipação nacional e social». In Mário Pinto Andrade, Um Intelectual na Política, coordenação de Inocêncio Mata, Edições Colibri, Lisboa, 2000, ISBN 972-772-188-5.

Cortesia de Colibri/JDACT