segunda-feira, 17 de setembro de 2018

A Armada do Papa. Gordon Urquhart. «O alvo deles não são principalmente os católicos, nem mesmo os católicos caídos, mas aqueles que estão longe da Igreja (oslontani), os não-crentes…»

Cortesia de wikipedia e jdact

«(…) O resultado é um afastamento do mundo. Cada movimento está construindo sociedades inteiramente fechadas sobre si mesmas e auto-suficientes, chegando ao ponto de organizar negócios e aldeias inteiras em que podem criar ambientes não contaminados, exemplos para o mundo de como a Cristandade, numa forma absolutamente livre de entraves, é a única solução para todos os seus males (do mundo). Desta maneira, eles conseguiram reavivar uma forma de triunfalismo de alcance muito maior do que aquele com o qual a Igreja pré-conciliar jamais teria sonhado um dia: nas suas utopias particulares, eles já resolveram os problemas do mundo. Este conceito de uma solução religiosa para todos os tipos de problemas, conhecido na Europa continental pelo nome de fundamentalismo, é muito atacado pelos adversários dos movimentos, tanto no seio da Igreja quanto fora dela. Naturalmente, este dualismo radical igreja-mundo é tão velho quanto a própria cristandade, e muitas seitas que o adotam acabaram montando "comunidades intencionais" como essas que os movimentos estão criando agora. Graças a uma doutrinação rigorosa, os membros chegam a ver cada aspecto de suas próprias vidas, e o mundo, através dos olhos do movimento. Isto significa que, mesmo entre católicos, há maneiras de interpretar o mundo, por meio de "línguas" e culturas específicas, que são totalmente incompatíveis entre si.
Mas uma de suas características mais incômodas é a desvalorização da razão. Do ponto de vista doutrinário, mesmo durante o período pré-conciliar a Igreja sempre ensinou que razão e fé eram compatíveis. A fé não pode contradizer a razão. Os movimentos acabaram, no extremo oposto, rebaixando o papel da razão. Eles são anti-intelectuais e desenvolvem uma militância anti-intelectual, até mesmo a CL, que exerce sua actividade de recrutamento principalmente entre estudantes. Os membros têm de se entregar inteiramente às estruturas e práticas do movimento. A ênfase é na supremacia da experiência sobre a razão. Encorajam-se os iniciados a aceitar e a praticar o que o movimento ensina. A compreensão virá depois, é o que lhes dizem. Como cada um dos adeptos considera ter recebido um papel messiânico, segue-se que a maior parte dos consideráveis recursos e energias dos movimentos é canalizada para actividades de militância missionária. Se essas ambições de proselitismo se limitassem ao campo eclesiástico, os novos movimentos teriam um valor um pouco maior que o de uma simples curiosidade para aqueles que se encontram fora da Igreja Católica. Mas este limite não existe. O alvo deles não são principalmente os católicos, nem mesmo os católicos caídos, mas aqueles que estão longe da Igreja (oslontani), os não-crentes, e até mesmo, até certo ponto, aqueles que se opõem à religião, e tem sido sempre entre estes últimos que os movimentos têm conquistado os seus maiores sucessos. Eles acreditam ter nas mãos o futuro não apenas da Igreja, mas o futuro do mundo inteiro. Por isso as suas ambições estendem-se também aos domínios do poder temporal. Com o zelo fanático que desenvolvem, e com seus imensos recursos de dinheiro e pessoal, têm conseguido brilhantes sucessos na política, nos negócios e na comunicação social, sucessos que são vistos como passos no caminho da criação de uma nova ordem mundial. Um de seus principais objectivos é impor à maioria os seus pontos de vista, que são os da moral da direita mais extremada. E, neste intuito, eles estão dispostos a pôr em acção, como alavanca política, até mesmo a superioridade numérica de que dispõem. Já tomaram parte activa em campanhas contra o aborto e contra as leis do divórcio em países teoricamente católicos como a Itália e a Irlanda.
Por todas suas singularidades, os movimentos tinham muito a oferecer ao papa João Paulo II quando ele ascendeu ao trono papal em 1978. O turbilhão de mudanças nos anos que se seguiram ao Concilio havia sacudido os alicerces da Igreja. Milhares de sacerdotes abandonaram o ministério; grande número de religiosos de ambos os sexos deixaram as suas ordens; animados pelos novos horizontes revelados pelo Concílio, os teólogos que haviam sido os seus arquitectos desejavam ardentemente afastar para mais longe ainda as barreiras doutrinais; a nova autonomia do laicato e a ênfase no papel da consciência sobrepondo-se à inquestionável submissão à autoridade da Igreja levavam os casais a rejeitar a condenação do controle artificial de natalidade, condenação reafirmada em 1968 pela encíclica Humanae vitae; em resposta ao apelo do Concilio por justiça e paz, padres e freiras, especialmente nas Américas, passaram a envolver-se directamente com a política, enquanto outros firmavam um pacto com o marxismo, o mais ferrenho inimigo do catolicismo por mais de um século». In Gordon Urquhart, A Armada do Papa, tradução de Irineu Guimarães, Editora Record, 2002, ISBN 978-850-106-222-2.

Cortesia de ERecord/JDACT