jdact
1095. Novembro. em Auvergne, uma região
montanhosa no centro de França...
«(…) Simeão dificilmente poderia
recusar tal oferta, sobretudo devido às referências de carácter de Pedro. O seu
contemporâneo Guiberto Nogent disse sobre ele:
O seu exterior não deixava senão
uma impressão muito pobre; mas poderes superiores agitavam este corpo miserável;
tinha um intelecto rápido e um olhar penetrante, e falava com facilidade e
fluência. Vimo-lo daquela vez rebuscar cidades e vilas, e pregando em toda a parte;
as pessoas reuniam-se à sua volta, cobriam-no de presentes e celebravam a sua
santidade com tão grandes louvores que não me lembro de uma honra assim alguma vez
ter sido prestada a qualquer outra pessoa. Exibiu grande generosidade na disposição
de todas as coisas que lhe eram dadas. Devolveu esposas aos maridos, não sem o
acréscimo de presentes seus, e restabeleceu, com maravilhosa autoridade, a paz
e o bom entendimento entre os que estava em discórdia. Em tudo o que fez ou
disse parecia ter em si algo divino.
Tão generoso foi Pedro, O
Eremita, para os pobres e tão honrado pela sua grande devoção que até os pêlos
da sua mula eram arrancados como relíquias sagradas. Encorajado pelo entusiasmo
de Pedro, Simeão aceitou a oferta do peregrino e entregou-lhe algumas cartas
antes da sua partida. Pedro, com túnica de lã e manto de sarja, de braços nus e
pés descalços, conseguiu encontrar-se com Urbano II em Roma e entregou--lhe as
cartas de Simeão discutindo a terrível situação na Terra Santa. Isto foi apenas
o início do seu esforço de recrutamento ao longo do árduo caminho de volta às terras
francesas. Anos de pregação errante, enquanto vivia apenas com um pouco de pão,
vinho e algum peixe, finalmente compensaram, e, nesta fria tarde de Novembro em
Clermont, Pedro erguia-se numa robusta plataforma de madeira ao lado de Urbano
II. O frágil eremita falou primeiro, o seu esqueleto e pele precariamente sustentados
pelo seu zelo, mas, ainda assim, falou ao espaço aberto, coberto por um
interminável exército desorganizado de seguidores, que ele persuadira a marchar
sobre a Terra Santa. Guiberto de Nogent comentaria que Pedro se parecia muito com
o seu burro e cheirava consideravelmente pior. Pedro partilhou com a multidão
as torturas, tribulações, misérias e humilhações sofridas pelos peregrinos cristãos,
ele incluído, às mãos dos turcos. Deus o quer, Deus o quer.
Restava pouco para Urbano II
alimentar o fervor da multidão, além de um discurso obviamente demasiado
patriótico coroado por uma singular proposição de venda: tomai, então, a
estrada para Jerusalém para remissão dos vossos pecados, e parti com a certeza
da glória imperecível que vos aguarda no reino dos céus. Deus o quer, Deus o
quer. Ébrios de esperança e religião, é dúbio que poucos tenham ficado para
trás, sob chuvisco gélido, para ouvir a data coordenada de partida para toda a
cruzada, que devia ser liderada por cavaleiros e começar em Agosto seguinte, na
Festa da Assunção. Ou sequer para assimilar a última parte do discurso de
Urbano, pedindo contenção: não ordenamos nem aconselhamos que a viagem seja
empreendida pelos velhos ou pelos fracos, ou pelos que não estão aptos para as
armas, e não deixeis as mulheres partir sem os maridos ou os irmãos... e nenhum
leigo deverá começar a marcha excepto com a bênção do seu pastor.
Mas em tempos caracterizados por
uma economia baseada no saque, a promessa de uma remissão dos pecados e da glória
do reino dos céus foi suficiente para incitar três exércitos, combinando uns
cento e vinte mil camponeses mal equipados. Mal a neve do Inverno foi
substituída pela Primavera, em Março de 1096, a Europa Central tornou-se num longo,
mal preparado e desorganizado enxame de homens, mulheres, crianças,
agricultores, até enfermos, marchando em três, por vezes cinco exércitos de
pessoal não militar. Pedro, o Eremita, chefiava um. Um segundo era
liderado por outra personagem excêntrica, um antigo senhor da Île-de-France
que, tal como Pedro, buscava uma verdadeira experiência mística de Deus, e
assim renunciou aos seus bens terrenos para marchar para Jerusalém. Ficaria
conhecido como Gualtério Sem-Haveres.
Esta foi a Cruzada do Povo.
Ao longo da extenuante estrada
para leste rumo a Constantinopla, muitos perguntavam desesperadamente ao chegar
a cada nova aldeia: isto é Jerusalém?» In Freddy Silva, Portugal, a Primeira Nação
Templária, 2017, Alma dos Livros, 2018, ISBN 978-989-890-700-4.
Cortesia de AlmadosLivros/JDACT