Isabel.
Maio de 1588
«(…) Peço que se sentem, disse a
eles. Permaneci em pé. Atrás de mim estava o enorme mural de Holbein que cobria
uma parede inteira com os retratos do meu pai e do meu avô. Nele, meu pai,
coroado em primeiro plano, fazia o seu próprio pai parecer encolhido atrás de
sua sombra. E agora eu estava na frente dele.
Herdei a sua força ou estava apenas dizendo a ele que o domínio da
monarquia pertencia a mim agora? Em vez de obedecer, Robert Dudley deu um passo
à frente e entregou-me um lírio, desabrochando no seu longo caule. Um lírio
imaculado para uma flor-de-lis imaculada, disse, fazendo uma
reverência. Tanto Burghley quanto Walsingham olharam de forma resignada, balançando
a cabeça de forma negativa. Obrigada, Robert, disse. E, em vez de pedir um
vaso, deixei a flor em cima da mesa, atrás de mim. Um local que a faria murchar
rapidamente. Agora, sente-se. Burghley disse: creio que todos já viram o
documento chamado Declaração de Sentença e Deposição de Elizabeth. Se
não viram, tenho aqui algumas cópias. Cerrei os dentes só de pensar! Deus do
céu! Os espanhóis me perseguirão até no inferno? Vossa Majestade, isso não é
novidade, lamentou Walsingham. Houve pouca mudança depois das duas primeiras
bulas, a de 1570, escrita pelo papa Pio V, e a seguinte, em 1580, escrita por
Gregório XIII. A cada novo papa, uma nova bula. Um navio cheio delas é que é a
novidade, disse Burghley, Desprezível!
Para eles é uma cruzada religiosa,
afirmou
Walsingham. Todos os navios têm nome de santo ou ano. O estandarte da bandeira,
que traz a Virgem e a Crucificação, foi
abençoado pelo arcebispo de Lisboa. Por que não as bulas nos porões? Ah, a
senhora vai adorar saber disso. Tenho a lista das senhas deles. Aos domingos é
Jesus, às segundas-feiras é Espírito Santo, às terças-feiras é Santíssima
Trindade, às quartas-feiras é são Tiago, às quintas-feiras é anjos, às
sextas-feiras é Todos-os-Santos e aos sábados é Nossa Senhora. Leicester
suspirou e deu uma risada. Com nomes como Drake e Hawkins, não gostaria de
saber quais seriam as nossas senhas, disse ele. Ah, e todos os homens a bordo
se confessaram e trazem consigo um certificado de comprovação, completou
Walsingham. Ele continuava a me surpreender. Onde conseguia todas aquelas informações?
Você deve ter subornado um padre para obter tantos detalhes, disse. O silêncio
dele provava que eu estava certa. Por fim, completou: e há pessoas aqui na
Inglaterra, sim, mesmo em Londres, que estão rezando pelo sucesso da missão. Se
diz isso, deve saber os nomes delas. Diga-me, para qualquer outra pessoa teria
sido difícil, mas eu sabia que ele tinha acesso às informações, simplesmente
queria estar a par dos factos também.
Philip
Howard, conde de Arundel, ele respondeu. Até mesmo na Torre ele conseguiu
reunir adeptos e chamar um padre para rezar uma missa para a Armada e para os
ingleses que estão a bordo. E, sim, posso fornecer nomes de todos os que
estavam presentes. Ingleses a bordo!, disse o conde de Leicester. Que vergonha!
Walsingham deu de ombros. Lúcifer e os seus legionários recrutam por toda a
parte. Arundel é afilhado de Filipe. O que esperava? Quando a Armada partiu?,
perguntou Burghley. Ela já partiu? Ainda está em Lisboa. Meus informantes
disseram que há cerca de cento e cinquenta navios. Nem todos, claro, são navios
de guerra. Muitos são mercadores ou navios de suprimentos. Será a maior frota
que já saiu para o mar, o conde. Se conseguirem
sair, pois perderam o seu comandante há dois meses, disse sarcasticamente
fazendo o sinal da cruz. Mande-os de volta. Santa Cruz sabia o que estava
fazendo. Esta substituição, este Medina-Sidonia, não sabe muito. Fica até
enjoado no mar. Que almirante! Conquistar Portugal há oito anos, com os navios
e o porto em Lisboa, foi o melhor golpe de sorte que lhes poderia acontecer, e
o pior para nós, disse Burghley. Pergunto-me quanto tempo foi preciso para se
organizarem. Claro, eles continuam esperando que alguém coloque Maria, rainha
dos escoceses, no trono, transformando a Inglaterra num país católico sem que tenham
de mover um dedo para isso. Temos que agradecer a você por dar um fim nisso, disse
a Walsingham». In Margaret George, Isabel I, O Anoitecer de um Reinado, tradução de
Lara Freitas, Geração Editorial, 2012, ISBN 978-858-130-076-4.
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