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«(…) Porém, as últimas palavras
de Filipe queimavam o íntimo de Joana e nada mais existia para além de uma
escaldante onda de desejo. Era esmagador, só conseguia pensar no corpo nu de
Filipe junto ao seu. Fingindo cansaço após um longo dia e uma necessidade desesperada
de descansar, deixou a mesa, ordenando aos pés que caminhassem e não corressem.
Filipe disse que achava ser seu dever acompanhá-la aos aposentos.
O frio de Dezembro
que varria o palácio de Alcalá de Henares não se comparava com o que paralisava
Joana. Segurou a cabeça e cambaleou. O marquês de Vilhena apressou-se a
assistir à princesa, já no sexto mês de gravidez. Preciso de tempo. Tenho de
ter tempo para pensar. Isso não pode ser verdade, exclamava ela, olhando para o
papel que tinha nas mãos. Senhora, a rainha sabia muito bem da determinação de
Felipe em abandonar a Espanha, tendo-o convocado de Saragoza a fim de o
acautelar sobre o seu comportamento e de enfatizar as razões pelas quais devia
ficar, além de mostrar por que motivo devia fazer um esforço para compreender
esta nação que irá herdar. Como podeis ver pela carta, não teve êxito. O príncipe
exprimiu a sua decisão de partir imediatamente. Ela conta agora convosco para o
persuadir a adiar a partida. Considera isso uma questão da maior importância.
É claro que Felipe
está ansioso por voltar a Bruxelas e eu anseio por ver de novo os meus
pequeninos, mas a minha mãe deve estar enganada, pensando que Felipe deseja que
partamos imediatamente. Não é hora de viajar. Pensamentos inquietantes
insinuavam-se no seu espírito: estaria Felipe tão descontente que quisesse
apressar a partida, indiferente às consequências; teria a sua mãe encorajado-o
a partir, para se ver livre de um genro que considerava fútil e irreflectido, mantendo
Joana com ela? Vilhena prosseguiu: apesar de tudo, a rainha Isabel achou melhor
estardes prevenida antes da chegada do príncipe. Felipe estava apenas a duas
horas de viagem e, portanto, chegaria muito em breve. Havia semanas que não o
via e sentira muitas saudades. O seu coração sobressaltou-se, pois os dias
solitários iam terminar. Felipe vinha aí. Tomai a vossa carta, marquês. Agradeço-vos
o vosso interesse, tudo se resolverá por bem, asseguro-vos. Sorriu, certa de
que, assim que tivesse Felipe junto de si, conseguiria afastar o seu mau humor,
como fizera tantas vezes recentemente.
Dera-se a morte
prematura de Artur, príncipe de Gales, o que pusera fim à sua agradável estada
em Toledo. Isabel ordenara nove dias de luto. Sagaz, Joana concedera a Felipe
nove dias de caça, embora soubesse como iria sentir-se infeliz sem ele. Depois,
a cerimónia do juramento, já adiada devido ao luto, causava-lhe muita exasperação.
E, quando foi nomeado apenas consorte, com o agravante de, no caso da morte de
Joana, Castela passar directamente para o seu filho Carlos, o insulto foi demasiado
ultrajante. Fora possuído por uma fúria imensa devido a um incêndio que destruíra
grande parte dos tesouros sem preço da sua casa. Os seus afamados cozinheiros
flamengos foram acusados de negligência criminosa, embora tivessem
insistentemente negado qualquer culpa, apontando um dedo acusador aos criados
espanhóis.
Todavia, esses
problemas não eram nada perante a perda de Busleyden. Durante o Verão, houvera
muitas mortes entre os flamengos, vítimas do calor ou da comida, e o seu querido
amigo e conselheiro fora uma delas. Para Joana não fora nenhuma tragédia, pois via
a morte do conselheiro como a retribuição divina dos seus inúmeros actos cruéis.
Felipe suspeitara, evidentemente, de envenenamento, o que era uma
possibilidade, pois circulavam rumores sobre umas cartas roubadas que
alegadamente confirmavam o envolvimento dele em intrigas contra a Espanha.
Verdade ou mentira, um jovem camareiro foi torturado até confessar o roubo e o
assassinato. Em todos esses infortúnios, Joana desempenhara na perfeição o
papel de dama solidária, conseguindo sempre que Felipe voltasse a ser o jovem
despreocupado que fora durante toda a vida. Com a excepção daquela desastrosa
cerimónia de juramento em Aragão, onde se viram confrontados com uma emenda que
incluía a possibilidade de um futuro herdeiro aragonês». In Linda
Carlino, That Other Joana, 2007, Joana, a Louca, Editorial Presença, Lisboa,
2009, ISBN 978-972-234-231-5.
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