sábado, 22 de setembro de 2018

Um Estudo em Torno da Revista Portuguesa (1889-1892). Adriana Mello Guimarães. «No caso europeu, a comunicação passou a integrar uma ordem de regulação e controlo, de forma a estabelecer relações económicas, políticas…»

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Com a devida vénia à Doutora Adriana M. Guimarães

A reforma dos estudos
«(…) A obra de Verney assinala a desfasagem cultural entre Portugal e a Europa. Para o autor, a gramática deveria ser ensinada em Português, e não em latim; além disso, Verney foi adepto dos métodos experimentais e se opunha a um sistema de debate baseado na autoridade. Joel Serrão (2004) salienta que a obra consiste numa longa discussão sobre os erros do ensino do Português e as maneiras de o corrigir. Acresce que, segundo Jacinto Prado Coelho, a principal virtude da obra de Verney reside no modo singular como o autor conseguiu conjugar várias informações nos campos literário, jurídico e filosófico. No entanto, o que pretendemos sublinhar é que, com as reformas, segundo Cerqueira, houve acima de tudo uma mudança de pensamento: o princípio que fundava a consciência de si sob o aristotelismo de origem medieval era a conversão religiosa, enquanto o princípio que passa a fundar a consciência de si sob a filosofia moderna é o Cogito cartesiano. Ou seja, ao suprimir o aristotelismo do ensino, mediante a expulsão dos jesuítas e a reforma da instrução pública, o marquês de Pombal deu início, na segunda metade do século XVIII, ao processo de modernização cultural do país:

Do ponto de vista filosófico, a modernização na cultura de língua portuguesa supõe a superação do aristotelismo português, como atitude específica, mediante a sua crítica, que é algo que só nas últimas décadas vem sendo feito em Portugal (Cerqueira, 2002).

Nesta perspectiva de entendimento, Cerqueira sublinha que a moderna forma de pensar não excluiu a religiosidade do seio da cultura portuguesa. Aliás, essa ideia de que não há incompatibilidade entre a lei de Deus e as leis da natureza é bem visível até mesmo na imprensa portuguesa oitocentista, nomeadamente no artigo Palestra Científica, da Revista Contemporânea de Portugal e Brasil: A religião e a ciência. Estes dois grandes resultados não se contrariam, harmonizam-se e reciprocamente se fortalecem (Pimentel, 1859). Uma outra observação interessante é a de Joel Serrão, assinalando que a reforma pombalina não eliminou a acção docente da igreja, quer mediante os colégios de ordens religiosas que não haviam caído em desgraça (…) quer mediante a acção difusa e infusa dos sacerdotes e frades espalhados (…) um pouco por toda a parte. Inegável é que a modernização portuguesa confunde-se, então, com o espírito do governo de Pombal. Faz parte de um mesmo impulso, rumo à superação do estado de decadência do século XVII. Ou seja, o processo de modernização, que afecta os dois lados do Atlântico, tem a marca da intencionalidade de Pombal. Depois do encerramento dos colégios dos jesuítas e da proibição do recurso aos seus métodos e recursos pedagógicos, a educação e a forma de pensar passaram por mudanças consideráveis: a moderna sociedade exige um novo homem que só poderá ser formado por intermédio de uma renovada educação, fundamentada na razão e nas habilidades necessárias ao bom convívio social.
Como esta nova forma de pensar repercutiu e obteve eco? Foi uma evolução lenta e não linear, que contou com o alargamento da cultura a camadas sociais médias. Autores como Habermas procuraram entender o Iluminismo não apenas como um movimento de ideias isoladas mas também como um movimento social. As estruturas sociais da esfera pública começaram a adquirir forma a partir das cidades, espaço burguês por excelência. Surgem novas modalidades de sociabilidade que vão pouco a pouco se sobrepondo à corte: os cafés, os salões burgueses, as academias de ciência, as lojas maçónicas. Esses novos espaços são interligados pela imprensa, instituição nuclear da esfera pública literária. Ou seja, a iniciativa cultural foi, passo a passo, deixando de ser exclusiva da corte e da nobreza para chegar aos filhos da burguesia saídos das universidades. Verificou-se então um processo de conquista e expansão da cultura impressa sobre terrenos sociais anteriormente afastados dos circuitos da cultura letrada.
Assim, sem dúvida, a assimilação da filosofia moderna não se pode desvincular, nem no Brasil nem em Portugal, dos movimentos literários do século XIX, nem da reprodução e circulação das formas simbólicas, como jornais e livros. Daí a importância do registo de Antony Giddens sobre a mediação realizada pelos meios de comunicação no processo de modernização. Afinal, para Giddens, a modernidade é inseparável da sua própria mídia (2002). O autor destaca que os antigos jornais desempenharam um papel fundamental na separação espaço-lugar, tendo o telégrafo exercido uma função essencial. Na verdade, antes do telégrafo as notícias ficavam limitadas aos acontecimentos mais próximos; quanto mais distante um acontecimento, mais tarde ele surgia nos periódicos. Com o telégrafo (e posteriormente com o advento de outros meios eletrónicos), o chamado valor-notícia dos acontecimentos é alterado. Outra característica avançada por Giddens diz respeito à intrusão de eventos distantes na consciência quotidiana. Ou seja, através da leitura dos jornais muitas experiências invulgares podem ser experimentadas pelo leitor. Assim, os media funcionam como um agente da modernização caracterizado pela abertura progressiva das fronteiras, dos limites, inclusive mentais e culturais. Neste sentido de orientação para o futuro, Wolton ressalta que a comunicação se estabeleceu como uma das condições essenciais para a emergência da sociedade moderna:

A grande ruptura verificada a partir do século XVI continua a ser uma abertura ao outro, que encontra nos modelos intelectual e cultural da comunicação o meio teórico de a pensar. O correio, a livraria, depois a imprensa e, simultaneamente, o comércio terrestre e marítimo foram os instrumentos desta abertura evidentemente acentuada pelo caminho-de-ferro, pelo telefone e por todas as técnicas do século XX. Eis porque a comunicação tem tanto êxito: porque se acha no coração da modernidade que é, por sua vez, o coração da cultura ocidental (Wolton, 1999).

Ora, a sociedade ocidental europeia olhou o passado como algo a superar face aos ideais modernizantes de progresso, ciência, razão e técnica, alimentando com isso clivagens entre pessoas e entre sociedades. No caso europeu, a comunicação passou a integrar uma ordem de regulação e controlo, de forma a estabelecer relações económicas, políticas e simbólicas de dominação/exploração, redefinindo e acelerando as relações entre as pessoas». In Adriana Mello Guimarães, A Modernização, Problema Cultural Luso - Brasileiro, Um Estudo em Torno da Revista Portuguesa (1889-1892), Tese de Doutoramento em Literatura, Évora, Instituto de Investigação e Formação Avançada, Setembro de 2014.

Cortesia de UdeÉvora/IIFA/JDACT