sexta-feira, 7 de setembro de 2018

O Pergaminho Sagrado. Anton Gill. «Um dos homens foi na direcção de Adkins. Ele encolheu-se, esperando um golpe. Mas nenhum ataque foi desferido. Em vez disso…»

Cortesia de wikipedia e jdact

«Brad Adkins olhou ao redor no laboratório. Ele não era capaz de disfarçar a sua tensão em relação aos outros e sabia que todos compartilhavam o mesmo sentimento. Eles vinham trabalhando na escavação em Istambul já havia três semanas e ainda não tinham encontrado o que foram designados a procurar. E o tempo estava-se esgotando. O laboratório parecia arrumado o suficiente para que pudessem terminar o dia de trabalho, pensava Adkins, observando os seus dois colegas acomodando cuidadosamente caixas nos armários brancos posicionados ao longo de uma parede. Ele virou-se para as telas de computador sobre a longa mesa. Desligou-os, um a um, metodicamente analisando se todas as novas informações do dia tinham sido apropriadamente gravadas. Os seus colegas haviam terminado antes dele e estavam só assistindo. Su-Lin parecia ansiosa para se ir embora, pensava, mas ele recusou-se a apressar-se pela integrante mais inexperiente da sua equipa, mesmo que ela estivesse ali por ordem do seu principal patrocinador. Estamos quase lá.
Uma mulher e tanto, aquela Su-Lin, mas isso seria misturar as coisas, e ele não queria estragar a relação profissional mais próxima que esse projecto tinha criado entre eles três. E Deus sabe o quanto eles precisavam daquilo, Adkins continuava a pensar, no meio de toda aquela pressão. Ele perguntava-se quanto tempo demoraria para que as pessoas começassem a ficar impacientes. Vamos embora daqui, disse o seu colega de Yale, Rick Taylor. Outro dia perdido... Está na hora de voltar. Adkins esticou a mão na direcção do botão do último monitor. Taylor vinha enchendo. Ele deveria ficar de olho nisso. Mas o colega estava certo, eles tinham feito outra busca infrutífera. Adkins tentava manter-se esperançoso, mas cada dia confirmava a sua suspeita crescente de que o que procuravam simplesmente não estava ali. Ele olhou novamente para Su-Lin. Impassível naquele momento, ela encarava o próprio relógio.
Adkins desligou o último monitor. Mas, enquanto recolhia a mão e a tela do computador ficava escura, a porta do laboratório abriu-se violentamente. Cinco homens de preto irromperam. Tinham os rostos escondidos por máscaras e vinham seguidos por um homem magro e uma mulher rechonchuda vestidos como turistas, usando óculos escuros suficientemente grandes para esconder as suas feições. Foi a mulher que falou. Sotaque inglês. Refinado. Educado. Sinto muito incomodá-los. Temos algumas perguntas para fazer. Quem diabos são...? Um dos homens se aproximou e bateu com um porrete em Taylor, jogando-o no chão. Ele ficou ali sem se mexer. Não danifiquem as mercadorias, disse a mulher. Não danifiquem nada.
Um dos homens foi na direcção de Adkins. Ele encolheu-se, esperando um golpe. Mas nenhum ataque foi desferido. Em vez disso, o homem enfiou a sua cabeça num capuz de pano grosso, apertando-o de forma selvagem no pescoço. Adkins sentiu o pânico crescer antes de o homem o atingir uma única vez na nuca. Um golpe certeiro. Então, a escuridão foi total.

1204 d.C.
Constantinopla, segunda-feira, 12 de Abril, e finalmente um ataque. Primeiro preciso escrever sobre o barulho: os gritos, os trovões e o cheiro de alcatrão e de carne queimada por todo lado ao redor. Era como se toda a ira da verdadeira Igreja Católica tivesse sido libertada. O sol brilhava intensamente naquele dia e estava uma ventania. Enormes lufadas se concentravam rumo ao norte, embora a princípio a direcção mudasse com frequência. Mas era um bom dia para uma batalha, depois de uma espera tão longa, e o vento finalmente estabilizou num constante e potente sopro, empurrando as nossas galés e embarcações de transporte para o litoral. Não havia como voltar agora e ali, no convés do navio que nos liderava, estava Dandolo, aos 90 anos, cego, mas com o seu elmo e a sua armadura brilhando, a sua espada em riste. Ao seu lado, o seu fiel viking, outro homem igualmente velho, mas resistente como madeira de lei.
Baixamos as grandes rampas de cerco que estavam fixadas às proas de nossos navios para que elas caíssem sobre as duas torres mais próximas das muralhas da cidade. Tínhamos sido sábios ao protegê-las com telhados feitos de couro de vaca embebido em vinagre, porque, por mais quente e escuro que estivesse enquanto avançávamos apressados por elas até as plataformas na ponta, as coberturas nos livravam do fogo e das pedras que os desgraçados atiravam em nós. E chegámos com tudo ao topo. O cheiro de piche queimado estava por todo lado nos túneis escuros das rampas, e fomos cegados pela luz quando emergimos. Os primeiros de nós foram destroçados pela Guarda Viking, o desprezível bando de saxões que protegia o falso imperador. Mas continuamos indo sem parar e os nossos navios despejavam e esguichavam fogo grego através de sifões de bronze contra os deploráveis defensores. Nós observamos enquanto o fogo se agarrava nas suas peles. Eles morreram gritando enquanto tentavam livrar-se daquilo.
As muralhas da cidade elevavam-se muito altas, mas nós sabíamos que elas não eram tão boas quanto pareciam. Estavam desmoronando; tinham passado por séculos de negligência, desde que a Grande Cidade passou a acreditar ser inexpugnável, sob a protecção das asas do próprio arcanjo Gabriel. Mas podíamos ver onde a argamassa estava apodrecendo entre as pedras e implantamos galhos secos embebidos em nafta nas rachaduras que encontramos, ateando fogo para enfraquecer ainda mais aqueles paredões». In Anton Gill, O Pergaminho Sagrado, 2012, Editora Record, 2013, ISBN 978-850-140-155-7.

Cortesia de ERecord/JDACT