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O interesse alemão no Atlântico português
«(…) Bülow demonstrava uma certa preocupação que o Governo alemão fosse
criticado quanto à sua política inglesa, depois das negociações em torno das
ilhas de Samoa (na primavera de 1899 surgiu um desentendimento entre a Alemanha
e a Grã-Bretanha em torno das ilhas Samoa que afectou muito as relações diplomáticas
entre as duas potências) e no contexto de simpatia que os Boers suscitavam na
opinião pública alemã, durante o conflito sul-africano. Interessante parece ser
o facto de que, paralelamente à questão da divisão das colónias portuguesas,
decorriam as negociações anglo-alemãs sobre Marrocos. Precisamente a 20 de
Janeiro de 1901, o Kaiser alemão, de viagem a Londres por motivo da enfermidade
da sua avó, a rainha Vitória (que morre a 21 de Janeiro), referia, num telegrama
a Bülow, que Chamberlain, por intermédio do barão de Eckardstein, teria
demonstrado grande interesse num entendimento sobre Marrocos. Já referimos
atrás que, com grande probabilidade, a questão marroquina e a de Portugal
fariam parte do mesmo projecto alemão, fracassado, em parte, pela contra-acção
de Salisbury aos esforços de Chamberlain de entender-se com a Alemanha. Chamberlain
via num acordo anglo-alemão sobre Marrocos, o primeiro passo para uma futura
aliança com a Alemanha. A política externa inglesa revelava aliás, nesta época,
uma grande ambiguidade, ao querer conciliar a aliança com Portugal e o Acordo
secreto Anglo-Alemão sobre as Colónias Portuguesas. Mas a hegemonia naval britânica
era preocupação prioritária do Governo inglês, sendo assim impossível um acordo
com uma nação, como a Alemanha, que visava pôr em jogo essa hegemonia.
Neste período histórico, dominava na Europa a ideia de que o poder
naval fazia parte integral da ideia imperial. Tirpitz, o responsável pela
grande política naval alemã, referia já em 1894:
A marinha nunca me pareceu um fim em si mesmo mas sempre função dos
seus interesses marítimos. Sem poder naval, a posição da Alemanha no mundo é
semelhante à de um molusco sem concha.
Em relação com o poder naval estava a ideia de que os interesses económicos,
nomeadamente o comércio, só poderiam ser bem defendidos com o desenvolvimento
naval. Os dirigentes políticos alemães defendiam a ideia de que a Alemanha só
poderia competir comercialmente com a Inglaterra se houvesse uma frota naval
forte. Sem esta, a Alemanha não poderia dar o suficiente apoio às carreiras
marítimas comerciais. A rivalidade comercial alemã começou a ser temida desde cedo
na Grã Bretanha. Já em 1896, o famoso livro de Edwin Williams, Made in
Germany, salientava a concorrência alemã. Muitos eram já os que, nos meios
industriais ingleses, eram a favor de um retorno à protecção aduaneira. Tanto
mais que os mais sérios adversários dos britânicos eram países proteccionistas
como os E.U.A, a França e a Alemanha. O próprio Joseph Chamberlain defendia a preferência
imperial, em que os países membros do Império britânico concederiam uns aos
outros vantagens comerciais em forma de reduções das tarifas alfandegárias. Por
outro lado, em 1897, o Governo inglês tinha denunciado o antigo tratado comercial
de 1865 com a então Zollverein. Segundo este tratado, as exportações
alemãs para as colónias inglesas não pagavam tarifas mais altas do que as
inglesas para as suas colónias. A denúncia deste tratado tinha a ver com a nova
política chamberliana da preferência imperial. Tal estimulou ainda mais a
rivalidade comercial anglo-alemã. Em 1897, num artigo do Saturday review
afirmava-se:
(...) na Europa há duas grandes forças irreconciliáveis, duas grandes nações
que fariam do mundo, no seu todo, uma sua província e que imporiam nesta o
tributo do comércio. A Inglaterra (...) e a Alemanha (...) competem em cada
canto do globo.
Do lado alemão, havia também uma reacção a esta rivalidade, nomeadamente
da Sociedade Colonial Germânica e da Liga Pangermânica. Esta rivalidade
comercial que se juntava à rivalidade naval e colonial, e com elas estava
relacionada, fazia-se sentir também em Portugal. Aproveitando o sentimento antibritânico
tão vivo em Portugal depois do Ultimatum, a Alemanha lançava a sua
ofensiva de penetração dos seus produtos no mercado português». In
Gisela Medina Guevara, As Relações Luso-Alemãs antes da I Guerra Mundial, A
Questão da Concessão dos Sanatórios da ilha da Madeira, Faculdade de Letras de
Lisboa, Edições Colibri, Lisboa, 1997, ISBN 972-8288-70-0.
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