1095. Novembro. em Auvergne, uma região
montanhosa no centro de França...
«(…) Mas de quanta ajuda ao certo
precisavam esses cristãos? Após a conquista da Palestina pelos árabes no ano
637 d. C., apenas um quarto de Jerusalém, incluindo a Igreja do Santo Sepulcro,
ficou nas mãos dos cristãos. Naturalmente, isto aumentou o número de peregrinos
cristãos que acorriam a este e a outros locais associados à vida do avatar Jeshua
Ben Joseph, também conhecido como Jesus. Contudo, não só o acesso aos
locais sagrados era permitido, e foi mantido sob o domínio árabe, como o culto
cristão também era tolerado; até Maomé instruía os seus seguidores no sentido
de se voltarem para o local do Templo de Salomão durante as orações, pois era igualmente
respeitado pelos muçulmanos como lugar de grande sacralidade. Esta tolerância
prevaleceu até ao século X, sob os califas do Egipto, que prometiam solenemente
protecção aos viajantes. Na verdade, a vida sob o domínio dos infiéis não era
tão dura como o esperado; até a carga tributária era mais leve do que sob o
anterior domínio cristão.
Mas, em 1065, este retrato optimista
mudou quando os desordeiros vizinhos turcos dos árabes, liderados pelo bárbaro
Emir Ortok, conquistaram e saquearam a cidade de Deus, após o que três mil
cidadãos foram massacrados. Ortok reprimiu violentamente quaisquer cristãos remanescentes
e depois, por diversão, prendia ou matava os peregrinos visitantes, a não ser
que cada um lhe entregasse uma peça de ouro como preço de admissão na Igreja do
Santo Sepulcro.
Isto presumindo que algum
peregrino chegava vivo à cidade. Devido à desestabilização política, bandos de
bandidos sem lei deambulavam pelas planícies da Palestina em busca de turistas
desafortunados, enquanto cavaleiros beduínos conduziam ataques avulsos a peregrinos
vindos de além do rio Jordão. Não admira que tal comportamento tenha gerado uma
forte solidariedade e fervor em muitos dos bispos e barões europeus, instigados
pelo discurso inflamado de Urbano II para que reunissem vastos exércitos numa
cruzada para arrancar os locais anteriormente cristãos aos turcos seljúcidas e
assegurar uma passagem segura aos peregrinos.
No entanto, apesar da retórica do
papa, pode ter havido entre os presentes quem percebesse uma segunda intenção.
Cinco meses antes, um dos poucos pontos altos no Concílio de Placência, pelo
menos para Urbano II, fora a recepção pelo papa de emissários enviados de Constantinopla
pelo imperador Comneno. O imperador bizantino debatia-se com um grande
problema:
Há vários anos que os turcos consumiam
o seu império, tendo já engolido a maior parte da Anatóha, da Síria e da
Palestina. O concílio revelou-se um momento oportuno para Comneno: Urbano
estava perto, em termos geográficos, e sete anos antes, este promissor novo
papa revertera a excomunhão de Comneno da Igreja. Por isso, os presságios
pareciam propícios a outro pequeno favor de um dos poucos amigos de Comneno, particularmente
se este incluísse enviar um exército de novos cavaleiros por Constantinopla.
Comneno era um manipulador astuto.
Os seus embaixadores não só exageraram a necessidade de um exército, como, não fosse
o papa vacilar, também deviam lembrá-lo de que Jerusalém estava sob o restrito controlo
dos seljúcidas, com os direitos de visita dos peregrinos em jogo. Em todo o
caso, o desempenho de Urbano em Clermont teve um êxito para lá dos sonhos mais
loucos de ambos os homens, e no espaço de meses, dezenas de milhares
voluntariaram-se para livrar o Médio Oriente dos turcos e reconquistar os
locais sagrados.
Quem não precisou de grandes
desculpas para embarcar nesta cruzada foi um fervoroso monge de baixa estatura
vindo de Amiens chamado Pedro, o Eremita. Pedro fora soldado, casado e
era pai de cinco filhos, bem como um nobre e vassalo do conde Eustácio de Bolonha.
No entanto, renunciou a tudo para se tornar um monge enclausurado, excepto para
uma peregrinação a Jerusalém. Ficou horrorizado com o tratamento que ali era dado
aos peregrinos, tanto que lhe foi concedida uma audiência com Simeão, o patriarca
da cidade, durante a qual, Pedro prometeu solicitar o apoio de nobres de toda a
Europa, até do papa, em seu nome: não hesito em assumir uma tarefa pela salvação
da minha alma; e, com a ajuda do Senhor, estou pronto a ir e a procurá-los a todos,
rogar-lhes, mostrar-lhes a imensidade das vossas dificuldades, e pedir-lhes a todos
que apressem o dia da vossa libertação». In Freddy Silva, Portugal, a Primeira Nação
Templária, 2017, Alma dos Livros, 2018, ISBN 978-989-890-700-4.
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