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A
Mulher que Amou Jesus
«(…) A casa de Quezia era bem no
final da rua. Ficava empoleirada e os degraus que lhe davam acesso faziam um
ângulo. A porta de entrada tinha enfeites de bronze. Antes mesmo que Maria batesse,
a porta abriu-se e apareceu Quezia, com um sorriso triunfante. Você chegou!,
disse, puxando Maria para dentro e abraçando-a. É, mas foi difícil. Tentou
nem pensar no castigo que receberia de seus pais se estes soubessem que ela
tinha saído da exposição de tecelagem. Mas agora estava ali, onde queria estar.
Foi entrando na casa e descobriu um enorme pátio interno, meio escuro. Era
surpreendentemente fresco, num dia quente de verão como aquele. Ficaram olhando
uma para a outra, por algum tempo. Aquela amizade que haviam criado de maneira
tão repentina, e tão intensa, parecia agora produto da imaginação. Bem, disse
Quezia. Estou contente com a sua visita. Agora venha conhecer a minha
casa. Pegando Maria pela mão, levou-a para o outro lado do pátio, onde ficavam
vários quartos. Eram muitos, talvez o dobro, ou o triplo, dos quartos que havia
na casa de Maria. Tem um quarto só para si? Claro, e também há um segundo
andar, com mais quartos lá em cima. A sua voz era agradável e amiga, falava
brincando, como se todo o mundo vivesse dessa maneira. Maria tentava não olhar
fixamente. Mas os quartos, escuros, pareciam um sonho. Uma escuridão estranha,
pois só tinham três paredes: a quarta era aberta e dava para um jardim
ensolarado. Foi então, quando os seus olhos se acostumaram à escuridão, que ela
percebeu que as paredes eram pintadas de um vermelho de sangue, escuro, e num
dos quartos as paredes eram pretas. Era daí que vinha a escuridão. Mas Quezia
continuava puxando por ela. Saíram da parte formal da casa e passaram para onde
a família morava. Aí, Maria foi introduzida num quarto com paredes amarelas e
um tecto baixo, com cadeirinhas e uma mesa pequena, preparada com xícaras e pratinhos
em miniatura. O chão era fresco, de pedra polida, e num canto do quarto estava
uma cama estreita, com pés esculpidos, pintada de preto e com degraus dourados.
A cama estava coberta por uma seda reluzente. Ah!, disse Maria, por fim,
olhando tudo à volta, maravilhada. E é aqui que mora? É aqui que dorme? É, disse
Quezia, desde que me lembre. E as duas riram, pois sabiam que sete ou
oito anos não eram assim tanto tempo para lembrar. Maria não se conseguia
imaginar morando num lugar daqueles. Ia passar o tempo todo só olhando para
tudo isso, pensou. Examinou as xícaras e pratinhos em miniatura, e os jarrinhos
e tigelinhas. Você come aqui?, perguntou. Quezia riu. Não, isso é de
brinquedo. Tenho um apetite muito grande para esses pratinhos de miniatura!... Será
que ela tinha bonecas? Mas as bonecas eram proibidas, é claro que não ia ter bonecas.
Essas coisas aí são para mim e para os meus amiguinhos imaginários, disse
Quezia. E agora que está aqui, para uma amiga de verdade. Podemos fingir que fazemos
uma festa! Uma festa com comida imaginária que não deixa manchas e os pratos, depois,
não têm de ser lavados! Eu nunca tive um cantinho para fazer banquetes de
brincadeira, disse Maria.
Seria muito divertido! De
repente, sumiu a timidez entre elas. Elas eram muito parecidas, destinadas a serem
amigas. Acho que agora é hora de comer de verdade. E eu queria que você
conhecesse a minha mãe e o meu pai. E, claro, meu irmãozinho, Onri.
Onri. Maria nunca ouvira falar de
alguém chamado Onri. Tinha uma vaga lembrança do nome, algum rei meio malvado,
com esse nome. Mas, por outro lado, também nunca conhecera alguém chamada
Quezia. Essa família, evidentemente, não era propensa a chamar os filhos com
nomes comuns, como Maria, Jesus ou Samuel. Quezia levou Maria a outra parte da
casa, também junto ao jardim: uma sala clara, com as paredes pintadas de um verde
escuro e, na parte de cima, árvores e flores. No centro da sala havia uma mesa
de mármore, com almofadas junto ao encosto de pedra. Não se sentia o calor do
meio-dia, mas a sala era bem iluminada pela luz do sol. Mãe, pai, essa é minha
amiga Maria, disse Quezia, orgulhosa, apresentando-a como se fosse um
presente de luxo. Lembram-se, não é, que eu lhes contei sobre como nos
encontramos na peregrinação a Jerusalém. Ah, claro. Uma mulher alta, numa roupa
de cetim escarlate, abaixou-se junto a Maria, olhando-a com solenidade, como se
estivesse sendo apresentada a alguém muito importante, a uma pessoa adulta, e
não a uma criança. Estou tão contente que você e Quezia se tenham tornado
amigas, murmurou». In Margaret George, A Paixão de Maria
Madalena, 2002, Saída de Emergência, Edições Fio de Navalha, 2005, ISBN
972-883-911-1.
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