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Canto Primeiro
O Regresso do Duque
V
Tal o duque D. Jayme, o
primogénito,
D'esse altivo Fernando,
do que ao sceptro
Regou com sangue seu,
triste victoria.
Tal a flòr arrojada ao
negro exílio
O joven foragido em
terra alheia.
Mas elle, que anheiava á
pátria incólume
Um dia regressar, pizar
seu solo,
Que diria ao passar
nossa fronteira:
Enfim é Portugal… o chão
que piso
É a terra da pátria, a
minha terra:
É este o sol que vi
surgindo ao mundo,
A brisa que aspirei;
este o aroma,
O ar da minha infância,
do meu berço;
São os campos da pátria,
a relva, as flores.
Tudo aqui portuguez é n’este
solo;
Entrava taciturno e
merencório
Na corte de Manuel, e
com saudade
Nas risonhas campinas
andaluzas.
Nos luxuosos paços
castelhanos,
Sombrio, suspirando,
meditava.
Nem ao menos saudava o
Tejo aurífero,
Que déspota dos mares,
leis despóticas
Do mar á vastidão rugindo impunha.
VI
Oh! Será um destino
avaro e duro
Que nunca possa o homem
ser ditoso!
E que sempre a ventura
annuviada
Por uma sombra seja? Algum
mysterio
Occulta no seu peito
generoso
O nosso joven duque.
Quando gallas
O cercam, olvidando um
ódio extincto,
Que o regresso feliz
saúda a corte;
Quando em jubilo o peito,
arfar devia,
Que vê em torno a si a
pátria, a gloria
Quando um anjo lhe
aponta áureo futuro,
Porque triste ficou? Ha
um mysterio.
Um segredo, que preza, e
o mundo ignora,
Que aos lahios não
accusa… Oh! Então basta,
Que no timido arcano
amor se occulta.
VII
Silencio pois: respeito
affectos d’alma,
Que zelosos escondem a
ventura.
Que as turbas conhecer
jamais deviam;
Que ternos, infelizes,
sob o tumulo
Alguma eterna dôr
sepultam mórbidos;
Que nobres sabem ser e
sempre grandes
Quer a sorte propicia, ou dura seja;
Que são do casto amor o
fructo angélico.
Que segredo maior no
mundo existe?
O segredo politico, o d’estado,
Outro qualquer enfim,
que a arte invente;
Dizei-me, ó estadistas
fervorosos,
Algum desses mysterios,
que intrincados
Nas altas regiões haver
costuma,
Na esphera da, cartaz,
diplomacia.
Valer pôde uma estrophe
d’esse cântico
A que os anjos amor
chamam no olympo?
O amor, eterno hymno,
quem já poude
Na terra definil-o? Quem
sustenta.
Que sabe o que elle
pôde, o que tem sido,
O seu rumo, o seu alvo,
a sua origem,
O que vale, o que
importa, o que promette?»
In José Carlos Gouvêa, A Duquesa
de Bragança. Poema em Oito Cantos, Tipographia e Stereotypia Moderna, Lisboa,
1898.
Cortesia de Stereotypia
Moderna/JDACT