quarta-feira, 26 de setembro de 2018

As Bibliotecas de Castelo de Vide. A Educação Popular (1863-1899). Filomena Bruno. «Nas palavras de Frederico Laranjo, no discurso que profere em 1870, o povo não mudara nada e continuava ignorante, tal como sempre fora ao longo dos séculos»

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O papel da Escola na instrução do povo
«(…) Neste caso concreto, o que significava povo para a as associações estudadas? José António Serrano, um dos principais fundadores destas associações, refere-se ao povo como público-alvo da associação do Gremio de Ilustração Popular, na conferência que dá em 1871, em Castelo de Vide:

O meu programa é este, a associação de que vos falo tem por fim concorrer simultaneamente para a illustração dos que a formam e para a illustração do povo. (1871: 8)

E acrescenta:

Vós os que me ouvirdes, vós, os que acudirdes ao meu brado, estudareis e ensinareis; estudareis e para isso formar-se-há uma bibliotheca; haverá certames literários; e para isso organizar-se-hão saraus litterários, e podendo ser abrir-se-hão escolas, editar-se-hão livros. Estudareis e para isso formar-se-há uma bibliotheca (Serrano, l871).

Nas palavras de Frederico Laranjo, no discurso que profere em 1870, o povo não mudara nada e continuava ignorante, tal como sempre fora ao longo dos séculos:

o povo, sabeis o que é o povo? O português? Sciencia, literatura, governos, tudo tem mudado e tem mudado progredindo. (...) Mas o povo não mudou, o povo está; e sabeis onde e como? Encastellado na sua ignorância e agarrado aos seus prejuízos, amando o passado e evocando-o, maldizendo o presente e repellindo-o, sem fé na sciencia, sem fé nos homens (...) O século dezanove, infinda cousa coincide com a idade media (Laranjo, 1870).

A Educação Popular deve ser uma educação participativa, orientada para a realização dos direitos do povo. Não é uma educação imposta pois baseia-se no saber da comunidade e parte geralmente do diálogo entre a população. Não é Educação Informal porque visa a formação de sujeitos com conhecimento e consciência cidadã. É uma estratégia de construção da participação popular para encontrar novos caminhos na vida social. A principal característica da Educação Popular é utilizar o saber da comunidade como matéria-prima para o ensino. Visa aprender a partir do conhecimento que o sujeito possuiu. Visa ensinar a partir de temas geradores, motivações e interesses do quotidiano do formando. A educação é vista como acto de conhecimento e transformação social.
A educação popular pode ser desenvolvida em qualquer contexto, mas tem geralmente lugar em locais rurais, em instituições socioeducativas e no ensino de jovens e adultos. Nas décadas finais do século XIX, o tema da educação popular entra na ordem do dia, associado à descoberta dos elevados índices de analfabetismo da população portuguesa. A instrução do povo era vista como fonte de progresso, novamente segundo António Costa:

A instrucção popular cria um grande capital financeiro no desenvolvimento dos espíritos. Quanto mais apurados forem os conhecimentos dos operários e dos trabalhadores, mais perfeitos, e por isso mais rendosos serão os produtos industriaes e agrícolas. O salário dos operários, o lucro dos capitalistas e a prosperidade do paiz crescem na proporção em que se augmenta a cultura das intelligencias e a melhoria do trabalho individual (1870).

No jornal O Castellovidense de 19 de Janeiro de 1910, pode ler-se:

A instrucção é como o sol que ilumina e os paes analfabetos criam filhos analfabetos que não sabendo ler nem escrever não podem acompanhar o progresso das artes, das industrias, não podem desenvolver a nossa agricultura e o nosso comercio.

A instrução popular era também vista como regeneração social:

A educação do povo estreita o bom commercio da vizinhança, derrama nos centros da população o pensamento do bem, semeia os principios da ordem e da virtude, e se não consegue extinguir o mal, pugna com elle e enfraquece-o. É facto averiguado que a instrucção diminue os crimes e restringe a miséria (Costa,1870).

O ideal da formação do cidadão consciente e participativo fazia com que o analfabeto não pudesse assumir o papel de cidadão, eleitor, que a República tanto viria a apregoar». In Filomena M. F. Sousa Bruno, As Bibliotecas de Castelo de Vide e a Educação Popular (1863-1899), CM de Castelo de Vide, Edições Colibri, 2011, ISBN 978-989-689-139-8.

Cortesia Colibri/JDACT