O papel da Escola na instrução do povo
«(…) Neste caso concreto, o que significava povo para a as associações
estudadas? José António Serrano, um dos principais fundadores destas
associações, refere-se ao povo como público-alvo da associação do Gremio de
Ilustração Popular, na conferência que dá em 1871, em Castelo de Vide:
O meu programa é este, a associação de que vos falo tem por fim concorrer
simultaneamente para a illustração dos que a formam e para a illustração do
povo. (1871: 8)
E acrescenta:
Vós os que me ouvirdes, vós, os que acudirdes ao meu brado, estudareis
e ensinareis; estudareis e para isso formar-se-há uma bibliotheca; haverá certames
literários; e para isso organizar-se-hão saraus litterários, e podendo ser
abrir-se-hão escolas, editar-se-hão livros. Estudareis e para isso formar-se-há
uma bibliotheca (Serrano, l871).
Nas palavras de Frederico Laranjo, no discurso que profere em 1870, o povo
não mudara nada e continuava ignorante, tal como sempre fora ao longo dos
séculos:
o povo, sabeis o que é o povo? O português? Sciencia, literatura, governos,
tudo tem mudado e tem mudado progredindo. (...) Mas o povo não mudou, o povo
está; e sabeis onde e como? Encastellado na sua ignorância e agarrado aos seus
prejuízos, amando o passado e evocando-o, maldizendo o presente e repellindo-o,
sem fé na sciencia, sem fé nos homens (...) O século dezanove, infinda cousa
coincide com a idade media (Laranjo, 1870).
A Educação Popular deve ser uma educação participativa, orientada para
a realização dos direitos do povo. Não é uma educação imposta pois baseia-se no
saber da comunidade e parte geralmente do diálogo entre a população. Não é Educação
Informal porque visa a formação de sujeitos com conhecimento e consciência
cidadã. É uma estratégia de construção da participação popular para encontrar
novos caminhos na vida social. A principal característica da Educação Popular é
utilizar o saber da comunidade como matéria-prima para o ensino. Visa aprender
a partir do conhecimento que o sujeito possuiu. Visa ensinar a partir de temas
geradores, motivações e interesses do quotidiano do formando. A educação é
vista como acto de conhecimento e transformação social.
A educação popular pode ser desenvolvida em qualquer contexto, mas tem
geralmente lugar em locais rurais, em instituições socioeducativas e no ensino
de jovens e adultos. Nas décadas finais do século XIX, o tema da educação popular
entra na ordem do dia, associado à descoberta dos elevados índices de analfabetismo
da população portuguesa. A instrução do povo era vista como fonte de progresso,
novamente segundo António Costa:
A instrucção popular cria um grande capital financeiro no desenvolvimento
dos espíritos. Quanto mais apurados forem os conhecimentos dos operários e dos
trabalhadores, mais perfeitos, e por isso mais rendosos serão os produtos
industriaes e agrícolas. O salário dos operários, o lucro dos capitalistas e a
prosperidade do paiz crescem na proporção em que se augmenta a cultura das
intelligencias e a melhoria do trabalho individual (1870).
No jornal O Castellovidense de 19 de Janeiro de 1910, pode ler-se:
A instrucção é como o sol que ilumina e os paes analfabetos criam filhos
analfabetos que não sabendo ler nem escrever não podem acompanhar o progresso
das artes, das industrias, não podem desenvolver a nossa agricultura e o nosso
comercio.
A instrução popular era também vista como regeneração social:
A educação do povo estreita o bom commercio da vizinhança, derrama nos
centros da população o pensamento do bem, semeia os principios da ordem e da
virtude, e se não consegue extinguir o mal, pugna com elle e enfraquece-o. É
facto averiguado que a instrucção diminue os crimes e restringe a miséria
(Costa,1870).
O ideal da formação do cidadão consciente e participativo fazia com que
o analfabeto não pudesse assumir o papel de cidadão, eleitor, que a República
tanto viria a apregoar». In Filomena M. F. Sousa Bruno, As
Bibliotecas de Castelo de Vide e a Educação Popular (1863-1899), CM de Castelo
de Vide, Edições Colibri, 2011, ISBN 978-989-689-139-8.
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