quinta-feira, 20 de setembro de 2018

A Verdadeira História. Margaret George. «Foi esperta o bastante para reconhecer uma coisa de valor, e suficientemente esperta para protegê-la... Amanhã irá olhar para mim novamente... Proteger... Olhar... Era impossível»

jdact

A Mulher que Amou Jesus
«(…) Vamos deixar bilhetes na árvore lá perto do lago? Ah, não dá, você não sabe escrever. Nesse momento, Maria decidiu, de uma vez por todas, que iria aprender a ler e escrever fosse como fosse. Eu deixo um lenço vermelho se puder vir, e um preto se não puder, disse.
Por onde andou? Maria percebeu o vulto da sua mãe aproximando-se quando entrava no pátio, que agora parecia pequeno. No caminho para casa, Maria tinha montado uma história: após a exposição de tecelagem, tinha ido procurar lã colorida no mercado central, para ver se existiria alguma do tipo daquelas que o tecelão mostrara. Não pensara demorar tanto. E foi o que disse. Mas a sua mãe olhou para ela. Fui lá no final da exposição e não a vi, disse. Saí um pouco antes de terminar porque queria chegar ao mercado antes da multidão. Zebida concordou, acenando com a cabeça. É isso mesmo que deve fazer, disse a mãe. Quando se junta muita gente no mesmo vendedor, ele percebe que vai vender e pode aumentar os preços. E então, claro, você não pode comprar. Porque ele aumentou o preço. Mas e se o preço, mesmo com o aumento, for razoável?, perguntou Maria. Estava tão aliviada por ter conseguido, aparentemente, esconder a sua excursão secreta, que aceitava alegremente uma discussão sobre vendedores e os seus preços. Ainda assim, esse tipo de comportamento não deve ser recompensado, disse a sua mãe. Mas o que é que há de errado?, perguntou Maria. Se o vendedor vê que muita gente quer comprar dele, o que é que há de errado em subir o preço? Assim como, se ele vê que ninguém quer as suas mercadorias, baixa os preços. Já vi a senhora comprar a preços desses, bem baixos. Se uma coisa é errada, porque a outra não é? Você não entende, disse sua mãe. Mas Maria sabia que entendia, e muito bem. Mãe, disse ela, o tecelão vai dar aulas para aprendizes duas vezes por semana...
O Verão passou-se agradavelmente, com dias longos e quentes, e noites frescas. O truque de Maria, das aulas do tecelão, ia funcionando bem e duas vezes por semana ela corria para a casa de Quezia, na colina, indo directamente das aulas de tecelagem para as de leitura. Os pais de Quezia ficaram tão contentes por ela ter uma companheira de estudo que nem quiseram saber de pagamento. E ela aprendia com avidez; estava sedenta por saber ler direito, para que um novo mundo se abrisse à sua frente.
Foi na véspera do Rosh Hashana, do ano novo de 3.768, quando ela estava deitada, acordada com a excitação da festa, que ela ouviu Maria!, bem baixinho, como se alguém sussurrasse o seu nome do outro lado do quarto. Embora a voz fosse agradável, assustou-a. Sentou-se e olhou para o escuro. Será que estava sonhando? Não havia ninguém ali. Deve ter sido um sonho, pensou. Eu estava dormindo e não sabia. Mas agora estava bem acordada. E definitivamente acordada quando ouviu a voz de novo: Maria. Susteve a respiração. Não se ouvia coisa alguma no quarto: nem a respiração, nem ruído algum. Maria. Agora o som parecia vir de bem perto. Sim?, respondeu, em voz baixa. Mas não houve resposta. E ela não ousou levantar-se. Com a claridade da manhã, ela olhou em volta do quarto, mas não viu nada. Será que tinha sido só um sonho? Ficou pensando naquilo a maior parte da manhã e, de repente, perguntou-se se seria isso que acontecera com o profeta Samuel, quando era menino. Quando morava com o sacerdote Eli, ele também ouvira uma voz, durante a noite, chamando o seu nome, e pensara que tinha sido Eli. Mas, no final, fora Deus, e Samuel foi ensinado a responder: Fale, seu servo vos escuta. Se eu ouvir aquela voz de novo, é isso que irei responder, prometeu Maria a si mesma. Não podia deixar de sentir um toque de alegria por ter sido escolhida para alguma coisa.
Foi naquela noite, quando já era bem tarde e a escuridão era total, quando Maria não escutava coisa alguma e estava profundamente adormecida, cansada de não ter dormido bem na noite anterior. Maria, Maria, disse uma voz suave, de mulher. Lutando contra o sono, Maria deu a resposta que tinha decorado: Fale, sua serva vos escuta.
Um sussurro. E depois, bem baixinho: Maria, se descuidou de mim. Não correspondeu ao que mereço. Maria sentou-se, com o coração batendo. O Senhor, o Senhor estava falando com ela! Como poderia ela responder? Mas o Senhor não sabia tudo, não conhecia as suas fraquezas e assuas faltas? Eu..., disse ela, lutando para falar, eu fui descuidada? O Dia do Perdão estava próximo; iria Deus lembrar a ela uma grande omissão de consciência? Você me escondeu e não olha mais para mim. Essa não é a maneira de me tratar. O que significaria aquilo? Deus não podia ser escondido, nem visto. Não estou compreendendo. Claro que não, pois é uma menina tola. Você foi esperta o bastante para reconhecer uma coisa de valor, e suficientemente esperta para protegê-la, mas depois, você foi ignorante.
A voz parecia brincar com ela e ser alegre, ao mesmo tempo. Não parecia a voz de Deus, pelo menos da forma que contavam que falara com Moisés. Então, me ensine, Senhor, disse Maria, com humildade. Muito bem, disse a voz. Amanhã irá olhar para mim novamente, e eu lhe direi o que fazer. Agora, durma, sua tolinha. A voz calou-se e desapareceu. Dormir? Como, dormir? Com tristeza, Maria deitou-se de novo na cama. Deus iria puni-la, mas, por quê? Devia sentir-se honrada por Deus ter falado com ela, mas ele fora tão reprovador... Foi esperta o bastante para reconhecer uma coisa de valor, e suficientemente esperta para protegê-la... Amanhã irá olhar para mim novamente... Proteger... Olhar... Era impossível». In Margaret George, A Paixão de Maria Madalena, 2002, Saída de Emergência, Edições Fio de Navalha, 2005, ISBN 972-883-911-1.

Cortesia de SdeEmergência/JDACT