segunda-feira, 3 de setembro de 2018

O Diário Secreto de Ana Bolena. Robin Maxwell. «Preferiu voltar-se de costas e chegar-se ao lume, tentando disfarçar o nervoso com um sorriso»

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«(…) Nessa ocasião, Isabel sentira-se feliz pelo seu amigo de infância, embora se recordasse de uma breve punhalada de dor ao ver Robin beijar a sua bela e jovem noiva. Agora, enquanto ainda procurava palavras de consolo para Robin, interrogava-se se não teria sido de ciúme. Talvez que a vossa falta de desejo resulte de um efeito desagradável do encarceramento, sobre o vosso corpo e o vosso espírito, sugeriu Isabel simulando estar certa dessa possibilidade. Porquê, então, perguntou Robin, apertando mais a cintura de Isabel e puxando-a para si, de modo que os corpos trémulos se estreitaram um no outro, sonho constantemente, convosco, vejo o vosso rosto na minha imaginação, nada mais desejo que escutar o som da vossa doce voz para dar repouso à minha alma? E porquê, Isabel, vos desejo deitada, junto a mim, na escuridão. Isabel sentiu que continha a respiração, enquanto o escutava, receando que o mínimo sussurro do seu hálito a impedisse de lhe ouvir as belas palavras. Erguera o rosto para o dele e, apesar da profunda escuridão não teve dificuldade em descobrir os seus lábios ansiosos sobre os dele. E ali tinham ficado, esquecidos de dor, medo e culpa, nos braços um do outro até que o murmúrio aflito do carcereiro chegou lá de cima, com a primeira luz da manhã. Agora, já no seu palácio em Whitehall, Isabel entrou no labirinto de câmaras e antecâmaras privadas, onde os alabardeiros guardavam as portas das salas do conselho, do grande salão e a câmara real. Chegou num turbilhão à porta do seu quarto de dormir, agitando as aias num corrupio, como se de folhas secas se tratassem.
Ide, ide-vos daqui, todas vós. Mantinha a capa bem apertada, desejando que aqueles modos bruscos lhe disfarçassem o coração sobressaltado e o tremor das pernas. Num largo movimento perfumado de saias e saiotes sussurrantes, as aias saíram uma a uma, depois de fazerem à rainha uma profunda reverência. A câmara ficou em silêncio, mas Isabel não ficou só. Katherine Ashley encontrava-se junto à lareira, de braços cruzados, com uma expressão triste no rosto preocupado. Apesar de ser rainha, Isabel não se atrevia a ordenar à senhora Ashley que saísse. Preferiu voltar-se de costas e chegar-se ao lume, tentando disfarçar o nervoso com um sorriso. Sem pronunciar palavra, a mulher retirou-lhe dos ombros a capa de lã de Dudley e pô-la no braço. Não vos preocupeis Kat, o sangue não é meu, disse Isabel voltando-se para a aia. Apesar do aviso, os olhos de Kat abriram-se mais ao ver as manchas acastanhadas que sujavam a jaqueta de montar de Isabel. Em silêncio, cobriu os olhos com a mão enrugada e tentou acalmar-se. Concretizavam-se os seus piores receios. A jovem princesa, que desde pequena estivera a seu cargo, transformara-se numa altiva rainha. Nesse momento fantástico, em que na Abadia de Westminster, sob o resplendor de dez mil velas, a coroa de Inglaterra fora pousada pela primeira vez sobre a cabeça da sua querida menina, a relação entre Kat e Isabel alterara-se.
Porém, nada mudara, pensou, ao mesmo tempo que baixava a mão trémula do rosto. Absolutamente nada. Estendeu a mão e começou a desabotoar-lhe a jaqueta de veludo. A rígida postura de Isabel descontraiu-se e deixou cair os braços ao contacto familiar das mãos de Kat. Sabia que a sua aia sentiria o cheiro de Dudley na sua roupa e no seu corpo. Sabia que Kat se esforçava agora por encontrar palavras para exprimir a sua preocupação, sem quebrar as regras de etiqueta, necessárias entre elas. Quando Isabel era uma menina, uma princesa afastada da corte, com poucas possibilidades de subir ao trono, Kat mantivera uma disciplina rigorosa, mas amável. Os seus instintos protectores eram quase felinos, imbuídos de ardor e lealdade. Sempre lhe falara com franqueza e severidade, quando a situação o exigia. Para a menina praticamente abandonada pelos parentes de sangue, Kat Ashley e William, seu marido, eram os únicos portos de abrigo na terrível tempestade da sua jovem existência. E, agora Kat, sentia-se atormentada pela angústia. Quereis que vos prepare um banho?, perguntou, aparentando calma». In Robin Maxwell, O Diário Secreto de Ana Bolena, Planeta Editora, colecção Tudor 1, 2002, ISBN 978-972-731-131-6.
                   
Cortesia de PEditora/JDACT