quarta-feira, 12 de setembro de 2018

A Rainha Adúltera. Joana de Portugal. O Enigma da Excelente Senhora. Marsilio Cassotti. «… convertida portuguesa da linhagem dos cavaleiros de Zamora chamados Arias, de acordo com algumas fontes, certamente aparentada com uma linhagem judaica de Segóvia à qual pertencia, provavelmente, o então físico do príncipe Enrique»

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Lições de matrimónio imperial
«(…) Almeida, que chegaria a ser mordomo da filha de dona Joana durante o seu exílio em Portugal, relata também que Leonor esperava na sua câmara que o marido a fosse buscar e, ao ver aparecer no seu lugar um servidor de Frederico, respondeu dizendo que se o imperador não a fosse buscar em pessoa, ela não sairia dali. Consciente da importância política que significava a consumação do matrimónio com a esposa, como ratificação da sua aliança com o papado, e para tornar efectivo o dote, o marido fez o que a sua mulher lhe pedira.
Segundo as crónicas castelhanas, em finais de 1452, o rei de Castela, fazendo uma pausa no seu vertiginoso ir e vir por Castela, passou dez dias seguidos com a esposa para tentar que ela voltasse a ficar grávida. Esperanças que não eram somente suas, como também dos súbditos castelhanos, preocupados pelo facto de o príncipe das Astúrias não ter descendência. Os rumores que tinham corrido nos dias posteriores à sua boda, a separação de Blanca, e o facto de também não se lhe conhecer nenhum filho bastardo, numa época em que nem sequer muitos bispos se livravam disso, criavam bases tanto para vozes maldizentes como para legítimos temores. Não obstante os seus esforços, o rei castelhano não conseguiu engravidar a mulher naquele ano; com grande desgosto de ambos e também do condestável Álvaro Luna, que, como afirmam várias crónicas da época, era quem decidia os momentos em que o rei devia procriar com a rainha Isabel.
De qualquer modo, a informação obtida pelos espiões de Villena acerca das tentativas fracassadas do rei para engravidar a esposa teve efeito em torno do príncipe das Astúrias. Como relata um biógrafo de Enrique, naquele momento os projectos do marquês de Villena estavam a alcançar cotas mais altas. Para isso, era necessário que o condestável desaparecesse, de modo que ele pudesse ocupar o seu papel em Castela. Mas este plano estaria em perigo se Isabel de Portugal ficasse novamente grávida e desse à luz um filho varão. De maneira que, para Villena, era necessário que Enrique voltasse a casar e tentasse ter descendência por todos os meios. Naturalmente que, antes disso, deveria romper os laços canónicos que o uniam a Blanca de Navarra: conjecturas aparte, a exigência de divórcio teve de apresentar-se antes de terminar o ano (1452), dando tempo para que o juiz estudasse o caso de antemão, em conformidade com o que consta na sentença. Para alegria do rei castelhano e angústia do príncipe das Astúrias, em meados de Fevereiro de 1453 Isabel de Portugal voltou a engravidar, notícia da qual se deverá ter tido confirmação definitiva em meados de Março. Não parece casual, portanto, que a 27 de Março de 1453, a partir de Évora, o rei Afonso V de Portugal tivesse escrito ao seu honrado conde amigo, Alonso Pimentel, com a intenção de o informar de que o príncipe de Castela lhe solicitara um encontro com ele, no qual lhe tinha pedido solenemente a mão da infanta dona Joana, minha muito apreciada irmã.
O facto de o monarca português comunicar esta informação ao conde de Benavente pode considerar-se como um indício importante de que Pimentel se encarregara antecipadamente desta questão, mantida em segredo até então para não despertar os receios do rei castelhano. Por dados de crónicas e documentos posteriores sabe-se que, antes de 27 de Março, Afonso V de Portugal se mudara para Monsaraz, povoação próxima da fronteira com Castela, onde o seu primo Enrique lhe pedira que se cumprisse a aliança dinástica acordada em segredo em 1447. É possível que não fosse casual o facto de este pedido se realizar em Monsaraz, uma vila confinante com Castela, muito estratégica, uma vez que do seu castelo era possível vigiar o rio Guadiana. Era então habitada por uma pequena mas muito activa alfama judaica, que aproveitava essa vantagem geográfica para levar a cabo um próspero intercâmbio comercial entre os dois reinos. Dez anos antes, tivera como almoxarife Salomão de Ávila, que também arrendara as sisas gerais dos tecidos e dos vinhos por cinquenta mil reais anuais. Mas o seu apelido era muito provavelmente originário da mesma vila na qual tinha nascido o então contador-mor do príncipe das Astúrias, Diego Arias Dávila.
Segundo Palencia, sendo príncipe Enrique, veio da cidade de Ávila para Segóvia um dos cristãos-novos, e ademais de obscura linhagem, chamado Diego. Homem de ínfimas inclinações, começou a ganhar o sustento vendendo pequenas mercadorias roubadas a outros; ia pelos campos de Segóvia com um pouco de açafrão e cominho, e algo de pimenta negra (...), atraindo com as suas canções árabes grupos de rústicos cujo trato lhe era grato. É provável que a maior parte dos dados do palentino sobre o contador de Enrique fossem inventados com fins difamatórios para atacar o seu senhor, já que, na realidade, Diego Arias, nascido no início do século XV com o nome judeu de Ysaque Abeatar ou Abenatar, o filho do especieiro segundo uma interpretação do apelido, pertencia a uma conhecida família da comunidade de Ávila. E, uma vez instalado em Segóvia, casara-se com uma convertida portuguesa da linhagem dos cavaleiros de Zamora chamados Arias, de acordo com algumas fontes, certamente aparentada com uma linhagem judaica de Segóvia à qual pertencia, provavelmente, o então físico do príncipe Enrique». In Marsilio Cassotti, A Rainha Adúltera, Joana de Portugal e o Enigma da Excelente Senhora, Crónica de uma difamação anunciada, A Esfera dos Livros, Lisboa, 2012, ISBN 978-989-626-405-5.

Cortesia da EdosLivros/JDACT