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Manuel I e o fim da tolerância religiosa
(1496 - 1497
Organização comunitária: judiarias,
mourarias e comunas
«(…) Em Junho de 1463, Afonso V
aboliu o cargo de rabi-mor, a pedido do conde de Guimarães, por razões não
inteiramente claras. No decreto de abolição, o monarca declara que o ofício foi
extinto para evitar as grandes discórdias, trabalhos e despesas que o mesmo
podia trazer. A explicação mais plausível, sugerida pela dra Tavares é que Afonso
V tomou esta medida para travar a luta sectária pelo domínio do cargo de
rabi-mor entre as principais famílias judaicas de Portugal e os seus poderosos
patronos na nobreza portuguesa. Após essa data, e até 1496, os poderes
anteriormente investidos no rabi-mor foram distribuídos por diferentes
oficiais, incluindo alguns cristãos. Os poderes do rabi-mor foram divididos
entre um novo corregedor da corte para os judeus e um contador de todas as
comunas judaicas. Na prática, tanto Afonso V como o seu filho João II
ofereceram estes dois ofícios a favoritos judeus e estes tornaram-se efectivamente
os rabis-mores de Portugal em tudo menos no título. O mestre Abraão, médico de
Afonso V, foi não só corregedor, mas também contador até à sua morte em 1471. O
seu sucessor, o mestre Abas, exerceu brevemente o mesmo cargo entre 1471 e 1472,
e subsequentemente João II (1481-1495) nomeou o seu alfaiate, Abraão Abet, para
o ofício de contador, com o poder: de verificar as finanças das comunidades
judaicas e organizar o lançamento dos impostos régios sobre os judeus. No
reinado de João II, os corregedores de comarca cristãos foram encarregados de
fiscalizar e aprovar os impostos cobrados pelos oficiais das comunas.
As comunas dos mouros
Duma maneira geral, a organização
das comunas muçulmanas era semelhante à dos judeus. Existiam, porém, algumas diferenças
significativas. Nos documentos ainda existentes, o principal funcionário das
comunidades muçulmanas em Portugal é invariavelmente identificado como o alcaide,
título derivado do arábico para juiz. Como o rabi-menor judeu, o alcaide era responsável
pela administração judicial e financeira da comuna sob seu domínio. O foral em latim
concedido por Afonso Henriques às comunidades muçulmanas de Lisboa, em 1170, prometia-lhes
que nenhum cristão ou judeu exerceria jurisdição sobre eles em seu detrimento e
garantia-lhes o direito de eleger o seu próprio juiz. O alcaide exercia jurisdição
de primeira instância sobre todas as causas cíveis e crimes entre os muçulmanos,
ou entre muçulmanos e cristãos quando os primeiros eram os réus, e julgavam as mesmas
de acordo com o direito e lei dos mouros.
Esta função judicial implicava que
o alcaide fosse um homem letrado, com o conhecimento necessário para resolver
disputas no seio da comunidade segundo os preceitos da lei islâmica. Quando, em
1362, a comuna muçulmana de Évora enviou uma delegação a Pedro I para lhe pedir
que demitisse o alcaide então no poder, uma das suas queixas era que o dito alcaide
não sabia ler nem escrever e nem sabia a sua lei. Esta situação era inaceitável,
uma vez que a sua lei não permite que seja alcaide senão aquele que for sabedor
[da sua lei]. Os funcionários auxiliares do alcaide, pelo menos na Lisboa do
século XIV, eram um carcereiro e um beleguim». In François Soyer, A Perseguição
aos Judeus e Muçulmanos de Portugal, 2007, Edições 70, 2013, ISBN
978-972-441-709-7.
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