sábado, 29 de dezembro de 2018

A Perseguição aos Judeus e Muçulmanos de Portugal. François Soyer. «O alcaide exercia jurisdição de primeira instância sobre todas as causas cíveis e crimes entre os muçulmanos, ou entre muçulmanos e cristãos quando os primeiros eram os réus…»

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Manuel I e o fim da tolerância religiosa (1496 - 1497
Organização comunitária: judiarias, mourarias e comunas
«(…) Em Junho de 1463, Afonso V aboliu o cargo de rabi-mor, a pedido do conde de Guimarães, por razões não inteiramente claras. No decreto de abolição, o monarca declara que o ofício foi extinto para evitar as grandes discórdias, trabalhos e despesas que o mesmo podia trazer. A explicação mais plausível, sugerida pela dra Tavares é que Afonso V tomou esta medida para travar a luta sectária pelo domínio do cargo de rabi-mor entre as principais famílias judaicas de Portugal e os seus poderosos patronos na nobreza portuguesa. Após essa data, e até 1496, os poderes anteriormente investidos no rabi-mor foram distribuídos por diferentes oficiais, incluindo alguns cristãos. Os poderes do rabi-mor foram divididos entre um novo corregedor da corte para os judeus e um contador de todas as comunas judaicas. Na prática, tanto Afonso V como o seu filho João II ofereceram estes dois ofícios a favoritos judeus e estes tornaram-se efectivamente os rabis-mores de Portugal em tudo menos no título. O mestre Abraão, médico de Afonso V, foi não só corregedor, mas também contador até à sua morte em 1471. O seu sucessor, o mestre Abas, exerceu brevemente o mesmo cargo entre 1471 e 1472, e subsequentemente João II (1481-1495) nomeou o seu alfaiate, Abraão Abet, para o ofício de contador, com o poder: de verificar as finanças das comunidades judaicas e organizar o lançamento dos impostos régios sobre os judeus. No reinado de João II, os corregedores de comarca cristãos foram encarregados de fiscalizar e aprovar os impostos cobrados pelos oficiais das comunas.

As comunas dos mouros
Duma maneira geral, a organização das comunas muçulmanas era semelhante à dos judeus. Existiam, porém, algumas diferenças significativas. Nos documentos ainda existentes, o principal funcionário das comunidades muçulmanas em Portugal é invariavelmente identificado como o alcaide, título derivado do arábico para juiz. Como o rabi-menor judeu, o alcaide era responsável pela administração judicial e financeira da comuna sob seu domínio. O foral em latim concedido por Afonso Henriques às comunidades muçulmanas de Lisboa, em 1170, prometia-lhes que nenhum cristão ou judeu exerceria jurisdição sobre eles em seu detrimento e garantia-lhes o direito de eleger o seu próprio juiz. O alcaide exercia jurisdição de primeira instância sobre todas as causas cíveis e crimes entre os muçulmanos, ou entre muçulmanos e cristãos quando os primeiros eram os réus, e julgavam as mesmas de acordo com o direito e lei dos mouros.
Esta função judicial implicava que o alcaide fosse um homem letrado, com o conhecimento necessário para resolver disputas no seio da comunidade segundo os preceitos da lei islâmica. Quando, em 1362, a comuna muçulmana de Évora enviou uma delegação a Pedro I para lhe pedir que demitisse o alcaide então no poder, uma das suas queixas era que o dito alcaide não sabia ler nem escrever e nem sabia a sua lei. Esta situação era inaceitável, uma vez que a sua lei não permite que seja alcaide senão aquele que for sabedor [da sua lei]. Os funcionários auxiliares do alcaide, pelo menos na Lisboa do século XIV, eram um carcereiro e um beleguim». In François Soyer, A Perseguição aos Judeus e Muçulmanos de Portugal, 2007, Edições 70, 2013, ISBN 978-972-441-709-7.
                                                                                                         
Cortesia de E70/JDACT