jdact
A
lavandaria self-service do Angel
«(…) O Tony não abriu os olhos.
Qualquer pessoa que diga que sabe como outra se sente é um idiota. A lavandaria
self-service do Angel fica em Albuquerque, no Novo México. 4th Street.
Lojas maltrapilhas e ferros-velhos, lojas de roupa em segunda mão com catres militares,
caixas de meias desirmanadas, edições da Good Hygiene de 1940. Lojas de cereais
a granel e motéis para amantes e bêbados, e velhas com cabelo pintado com hena que
tratam da sua roupa na lavandaria do Angel. Noivas chicanas adolescentes vão à lavandaria
do Angel. Toalhas, camisas de noite cor-de-rosa curtas, cuecas biquíni que dizem
Thursday. Os seus maridos usam fatos-macaco azuis com os nomes bordados nos
bolsos. Gosto de esperar e de ver os nomes a aparecerem no reflexo do vidro reflexo
das máquinas de secar. Tina, Corky, Junior.
Pessoas em viagem vão à lavandaria
do Angel. Colchões sujos, cadeiras de refeição para crianças, enferrujadas, atadas
aos tejadilhos de velhos Buicks com mossas. Motores com fugas de óleo,
radiadores com fugas de água. Máquinas de lavar roupa com fugas de água. Os homens
ficam nos carros, em tronco nu, esmagam latas de Hamm's depois de vazias. Mas são
sobretudo os índios que vão à lavandaria do Angel. Índios do pueblo, de San Felipe,
de Laguna e de Sandia. O Tony foi o único apache que alguma vez vi, na lavandaria
ou noutro sítio qualquer. Gosto de entortar ligeiramente os olhos e de ver as máquinas
de secar cheias de roupas índias a turvarem os roxos e cor de laranja e vermelhos
e cores-de-rosa-brilhantes que giram. Vou à lavandaria do Angel. Não sei bem porquê,
não é apenas pelos índios. Fica na outra ponta da cidade, para mim. A apenas um
quarteirão de distância tenho o campus, com ar-condicionado, a música
ambiente a passar um rock suave. New Yorker, Ms. e Cosmopolitan. As mulheres dos
professores assistentes vão lá e compram barras Zero e Coca-Colas aos seus filhos.
A lavandaria do campus tem um letreiro, à semelhança da maioria das lavandarias:
absolutamente proibido tingir. Andei por toda a cidade com uma colcha
verde até ter chegado à lavandaria do Ange, com o seu letreiro amarelo: pode tingir
aqui sempre que quiser.
Vi que não estava a ficar de um roxo-intenso,
e sim de um verde-escuro mais lamacento, mas quis voltar, em todo o caso. Gostava
dos índios e da roupa que lavavam. A máquina de Coca-Cola avariada e o chão inundado
lembrava-me Nova Iorque. Os porto-riquenhos a ensopar a esfregona, a ensopar. O
telefone público também estava sempre avariado, como o da lavandaria do Angel. Teria
eu ido procurar o corpo da Armitage numa quinta-feira? Sou chefe da minha tribo,
disse o índio. Até então estivera apenas ali sentado, a beber pequenos goles de
porto, a olhar para as minhas mãos. Disse-me que a sua mulher trabalhava a limpar
casas. Tinham quatro filhos. O mais novo tinha-se suicidado, o mais velho tinha
morrido no Vietname. Os outros dois conduziam autocarros escolares. Sabes porque
é que gosto de ti? Não, porquê? Porque és pele-vermelha. Apontou para a minha cara
no espelho. Tenho a pele vermelha, e, não, nunca vira um índio pele-vermelha.
Gostou do meu nome, pronunciou-o em
italiano. Lu-chi-a. Tinha estado em Itália na Segunda Grande Guerra. E, entre os
seus belos colares prateados e azul-turquesa, lá estava o colar militar com as chapas
de identificação. Tinha uma grande amolgadela. Uma bala? Não, costumava mordê-lo
quando tinha medo ou tes… Uma vez, sugeriu que nos fôssemos deitar na sua rulote,
para descansarmos juntos. Os esquimós dizem rir juntos. Apontei para o letreiro
em verde-lima fluorescente: nunca deixe as máquinas sem supervisão. Ambos nos rimos,
gargalhando nas nossas cadeiras de plástico ligadas». In Lucia Berlin, Manual para
Mulheres de Limpeza, 1977, …, 1999, Penguin Random House, 2016, Alfaguara,
2018, ISBN 978-989-665-065-0.
Cortesia de Alfaguara/JDACT