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O cabo de guerra francês, Simão de Monforte, robustecido pelos sucessos,
preparava-se então para assaltar os muros de Toulouse, centro da heresia, rica cidade
de trinta ou quarenta mil habitantes, onde residia Raimundo M., conde de
Toulouse e cunhado e vassalo do rei de Aragão. Quando o francês ouviu as palavras
determinadas do mensageiro de Pedro II, riu com protérvia. Ele que venha bailar
no que é seu e depois verá!
Ao
saber da grosseria do cabeça da cruzada., o aragonês não titubeou. Mandou
chamar os fronteiros e deu-lhes ordem de arregimentação. Correu por todo o
reino o apelo dos fronteiros às tropas. Formaram na várzea de Saragoça os muitos
corpos do exército de Aragão. Era a contra-cruzada em marcha.
Na
frente postaram-se os homens de armas da guarda real. Pajens, infanções e
ricos-homens aí mostravam a vivacidade e o desembaraço da cavalaria, com
reluzentes bacinetes emplumados e muitos pendões e flâmulas a tremularem na
carreira do vento. Na linha da vanguarda alçavam-se sobre todos os balsões reais
com as armas riscadas de vermelho da confederação aragonesa-catalã.
De
seguida apresentava-se o segundo corpo, constituído pelas lanças das ordens
militares. Depois, vinham os corpos dos cavaleiros e besteiros e por fim os peões
de lança, os contingentes das vilas e das cidades, os coudéis mouros com as
suas companhias de fundibulários e os auxiliares, onde tanto entravam os
azeméis, os vivandeiros, os curadores, os serventes e mais gente necessária à
manutenção do exército como os foragidos dos condados occitanos fustigados pela
cruzada e dispostos a combater. Eram quarenta mil homens que tiravam o pé da
paz.
Pôs-se
em movimento o exército com o rei à testa e foi atravessar os Pirenéus depois
da cidade fortificada de Jaca, na esperança de alcançar num curto salto o
Garona, subindo por ele sem esforço até às muralhas sitiadas da Tolosa occitana.
Corria o fim da Primavera e os trilhos dos cumes, batidos pelo alto Sol do
solstício, desimpedidos de neves e gelos, eram mais fáceis de percorrer que
galeria de mar costeiro em dia de bonança e céu azul. No curso do Garona, já
nas proximidades do grande centro onde por então se concentrava o nó da resistência
à cruzada dos Franceses, deparou Pedro de Aragão com as muralhas de Muret.
O
cabo de guerra francês tomara havia pouco a cidadela e depois de fazer pular os
heréticos nas labaredas lá deixara como defensão uma grossa coluna de homens.
Por aí, à ilharga do corpo central das operações, pensou o aragonês abrir a
campanha de hostilidades contra os Franceses.
Brilhavam
os doces e abundosos dias de Verão e a defesa de Muret não deu mostras de se
intimidar com o assédio. Havia água e mantimentos com fartura. Viam-se nas
seteiras os fortes bacinetes de ferro dos Franceses e nas ameias arrumavam-se
as poderosas máquinas de arremesso de que dispunham. Um único homem se atrevia
a expor o corpo nas ameias, exprobrando com palavras duras o exército sitiante.
Ide,
senhores, ou um raio mais destrutivo do que aquele que destroçou os pagãos vos
fuzilará para sempre, dizia, renitente e profético, afastando as abas negras do
capeirão. Era Domingos Gusmão, o pregador que anos antes viera calcorrear os caminhos
dos domínios do conde de Toulouse e do rei de Aragão, na esperança de debelar a
heresia com a palavra destra, reconduzindo os cátaros aos dogmas romanos.
Juntara-se depois ao legado papal e abade de Cister, quando este aparecera com
os barões do rei de França munido duma ordem papal de limpeza. Aparecia agora
com um feroz e obediente ao lado, a que afagava a caixa do crânio de quando em
quando, apertando de seguida as orelhas atentas e espetadas nas mãos miúdas e
cuidadas de estudioso». In António Cândido Franco, Os Pecados da
Rainha Santa Isabel, Ésquilo, Lisboa, 2010, ISBN 978-989-809-289-2.
Cortesia
de Ésquilo/JDACT