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A
lavandaria self-service do Angel
«Um
índio alto e velho, com umas Levi's coçadas e um bonito cinto zuni (tribo de
índios da América do Norte). O cabelo, branco e comprido, atado com fio cor de
framboesa junto ao pescoço. O estranho é que, durante cerca de um ano, estávamos
sempre na lavandaria do Angel ao mesmo tempo. Mas não às mesmas horas. Isto é, por
vezes eu ia às sete numa segunda-feira, ou às seis e meia da tarde numa sexta-feira,
e ele já lá estava.
Com a Sr.a Armitage tinha
sido diferente, embora também ela fosse velha. Fora em Nova Iorque, na lavandaria
San Juan, na 15th Street. Porto-riquenhos. Espuma a transbordar para
o chão. Eu era uma jovem mãe, nessa altura, e lavava fraldas às quintas-feiras de
manhã. Ela vivia por cima de mim, no 4-C. Certa vez, na lavandaria, deu-me uma chave,
e eu aceitei-a. Disse-me que, se não a visse às quintas-feiras, era porque estaria
morta e que fizesse o favor de ir à procura do seu corpo. Era uma coisa horrível
de se pedir a alguém; além do mais, isso obrigava-me a ir tratar da minha roupa
às quintas-feiras. Ela morreu numa segunda-feira, e eu nunca mais voltei à San Juan.
O porteiro encontrou-a. Não sei como.
Durante meses, na lavandaria do Angel,
o índio e eu não falámos, embora nos sentássemos juntos em cadeiras de plástico
amarelas presas umas às outras, como nos aeroportos. Elas deslizavam no linóleo
rasgado e o som arrepiava os dentes. Ele costumava ficar ali sentado a bebericar
Jim Beam (marca de bourbon), a olhar para as minhas mãos. Não directamente,
mas pelo espelho à nossa frente, por cima das máquinas de lavar Speed Queen.
Ao início, não me incomodou. Um velho índio a olhar fixamente para as minhas mãos
pelo espelho sujo, entre Engoma-se 1,50$ a dúz, amarelecidos e preces de
serenidade em cor de laranja-fluorescente. Deus, Concede-me a Serenidade, para
Aceitar as Coisas que não posso Mudar. Mas, depois, comecei a perguntar-me se
ele teria uma tara com mãos. Deixava-me nervosa, ele a ver-me fumar, a assoar-me,
a folhear velhas revistas com muitos anos. Lady Bird Johnson (alcunha dada à primeira-dama
dos USA, Claudia Johnson, casada com Lyndon B. Johnson, presidente entre 1963 e
1969) a descer os rápidos.
Por fim, ele apanhou-me a olhar
fixamente para as minhas mãos. Vi-o quase a sorrir por me ter apanhado a olhar fixamente
para as minhas próprias mãos. Pela primeira vez, os nossos olhares cruzaram-se no
espelho, por baixo do não sobrecarregue as máquinas. Havia pânico no meu
olhar. Olhei para os meus próprios olhos e, depois, para baixo, para as minhas mãos.
Manchas de velhice horríveis, duas cicatrizes. Mãos não índias, nervosas, solitárias.
Pude ver crianças e homens e jardins nas minhas mãos.
As suas mãos naquele dia (no dia em
que reparei nas minhas) estavam pousadas sobre cada uma das suas tensas coxas
azuis. Na maior parte do tempo, tremiam bastante, e ele deixava-as agitarem-se no
seu colo, mas, naquele dia, mantinha-as quietas. O esforço para não as deixar
tremer fez com que os nós dos seus dedos de terracota ficassem brancos.
A única vez que falei com a Sr.a
Armitage fora da lavandaria foi quando a sua retrete transbordou e causou infiltrações
no candelabro do meu piso. As luzes ainda estavam acesas, com a água a salpicar
arcos-íris à sua volta. Ela agarrou-me o braço com a mão fria e moribunda e disse:
é um milagre, não é? Chamava-se Tony. Era um apache Jicarilla, do Norte. Um dia,
não o vi, mas soube que era a sua bela mão no meu ombro. Deu-me três moedas. Não
percebi, quase disse obrigada, mas depois vi que ele estava com tantos tremores
que não conseguia usar as máquinas. Sóbrio já é difícil. É preciso girar a seta
com uma mão, pôr a moeda com a outra, empurrar o êmbolo para baixo e, depois, voltar
a girar a seta para trás, para pôr a próxima moeda.
Ele voltou mais tarde, bêbado,
precisamente na altura em que as suas roupas começavam a ficar mais leves e secas.
Não conseguiu abrir a porta, apagou-se sobre a cadeira amarela. As minhas roupas
já tinham secado, estava a dobrá-las. Eu e o Angel pusemos o Tony no chão da sala
de engomar. Quente. O Angel é o responsável por todas as preces e lemas dos AA.
Não penses e não bebas. Ele pôs uma meia molhada e fria na testa do Tony
e ajoelhou-se ao seu lado. Irmão, acredita em mim... Já estive nesse sítio..., nessa
mesma sarjeta onde estás agora. Sei perfeitamente como te sentes». In Lucia
Berlin, Manual para Mulheres de Limpeza, 1977, …, 1999, Penguin Random House,
2016, Alfaguara, 2018, ISBN 978-989-665-065-0.
Cortesia de Alfaguara/JDACT