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Para
serviço de sua pessoa e casa
«(…) Em finais de Julho de 1453,
quando já terminara o quinto mês de gravidez de Isabel de Portugal, rainha
consorte de Castela, as autoridades apostólicas terão recebido uma das cópias
da sentença de divórcio de Enrique, confirmadas por Blanca de Navarra, como
algum tempo mais tarde essas mesmas autoridades assinalariam no documento de
dispensa matrimonial; documento este que não deixa nenhum resquício de dúvida
de que a Santa Sé considerava legítima a decisão. Além do Rabjuçe, é
provável que Enrique tenha enviado para negociar em Portugal o seu secretário,
o judeu convertido Alvar García de Ciudad Real. Segundo Palencia, um Cícero que
rebusnava as tentativas de Enrique (...), com o qual gostava de conversar
Afonso V, [cujo] entendimento, normalmente perspicaz, somente nesta ocasião se
mostrou turvo, como que obcecado por uma nuvem funesta. Acolheu benévolo a quem
deveria ter olhado com enfado; ouviu muitas vezes aquele comilão, que
dificilmente conseguia travar a sua língua, e se por acaso não gostava do
orador, agradavam-lhe as suas orações, todas encaminhadas para tratar do futuro
matrimónio. E embora seja coisa averiguada que a impotência de Enrique, naquela
altura já divulgada por todo o mundo, não se podia ocultar a Afonso, rei de uma
nação fronteiriça com Castela e primo tanto da repudiada como do repudiador, apercebeu-se
sem esforço que aquele matrimónio falso lhe traria um aumento do império, podendo
tratar-se até de um impropério.
De modo que o monarca português,
pelo menos segundo o palentino, quando por fim considerou chegada a
oportunidade, diz-se que instou com grande impaciência à sua irmã que
declarasse se aceitaria um enlace infecundo, satisfeita apenas com o nome de
rainha. Ao que a infanta Joana teria respondido entre outras razões, que
preferia sê-lo num reino poderosíssimo, a conseguir feliz sucessão com outro esposo.
Segundo a Crónica anónima, a resposta da infanta fora, pelo contrário,
que estava muito contente por casar com ele, não obstante as coisas ditas. Já
em Agosto, Rui Galvão, secretário de Afonso V que antes desempenhara esse mesmo
ofício para o pai e a mãe do rei e até havia não muito tempo fora administrador
dos gastos de Joana, pôde viajar para Castela para prosseguir aí as negociações
relacionadas com o matrimónio da inÍanta.
Na última semana de Outubro de
1453, a menos de um mês para a rainha Isabel de Portugal dar à luz, o rei
Afonso V passou procuração ao dr. Lopo Gonçalves, alcaide-mor de
Montemor-o-Velho; e três dias depois, em Tomar, o mesmo fez a infanta Joana.
Dava-se o caso de que o procurador escolhido por ambas as partes fora colaço da
infanta Isabel de Portugal, duquesa de Borgonha, tia de Joana, como filho que
era de uma fidelíssima ama com quem a duquesa de Borgonha tivera relações afectivas
e económicas desde que deixara o reino, em 1429. Como a a parteira de Joana,
também essa mulher era proveniente de Évora.
Devido a essa amálgama de
interesses e afectos, surgidos nos tempos da criação e cultivados ao longo de
toda uma vida de estreitos contactos, Joana sentir-se-ia segura para dar
poderes ao irmão de leite, da sua tia e encarregá-lo da delicada tarefa de
viajar até Castela para receber a fabulosa quantia de cem mil florins de ouro
de Aragão que Enrique tinha aceitado entregar à prometida em troca da sua mão,
uma vez que, ao contrário do costume, seria o noivo que daria à futura esposa o
dinheiro para o dote. Uma importante quantidade de ouro cunhado, quase o dobro
do dote da infanta Leonor, que Joana poderia conservar para si própria, mesmo
que a união fosse infecunda ou se por qualquer motivo o matrimónio acabasse.
Isto leva a supor que a parte portuguesa estaria a par dos riscos que implicava
para Joana casar-se com um homem que se declarara impotente, ainda que fosse por
malefício, e apenas com a sua primeira mulher.
Chegadas
a este ponto as negociações do matrimónio de Joana, com carta assinada em
Nápoles a 13 de Novembro de 1453, o rei Alfonso V de Aragão solicitou ao papa
Nicolau V a dispensa de matrimónio para que Joana e Enrique, primos por parte
da mãe, se pudessem casar em conformidade com as leis eclesiásticas,
justificando a petição no desejo de essa união contribuir para a paz entre os
reinos cristãos da Península Ibérica, e assinalando de novo que o vínculo anterior
de Enrique com Blanca fora declarado nulo pelo pontífice». In Marsilio Cassotti, A Rainha
Adúltera, Joana de Portugal e o Enigma da Excelente Senhora, Crónica de uma difamação
anunciada, A Esfera dos Livros, Lisboa, 2012, ISBN 978-989-626-405-5.
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