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Aspectos
da Vida Bizantina. Povos e Línguas
«(…) Com a Líbia chegamos ao
limite das províncias de língua grega. Mais a oeste fica a Tripolitânia, urna
faixa costeira estreita, e depois as regiões de Bizacena, Proconsularis e Numídia,
e, finalmente, as duas Mauritânias, que se estendem até ao estreito de
Gibraltar. Estas haviam sido todas extensivamente romanizadas e as terras mais
ricas, correspondentes à actual Tunísia, terão feito parte das zonas mais prósperas
e desenvolvidas do Império em melhores dias. Até que ponto a população autóctone
foi assimilada permanecerá como algo incerto. Do mesmo modo, também não se sabe
ao certo se a língua vernácula das cidades, à qual Santo Agostinho chama púnico,
constituía um legado do antigo fenício (como nos parece ser mais provável), ou se
era berbere. Em todo o caso, em 560, o nosso viajante teria encontrado uma
situação algo diferente daquela que o bispo de Hipona terá conhecido, um século
e meio antes, pois a África acabara de ser recuperada pelos Vândalos (em 533),
os quais a haviam dominado durante um século como uma potência independente. Os
Vândalos eram suficientemente numerosos a ponto de poderem causar um impacto
significativo na etnografia da população, mas a sua intrusão levou à irrupção das
várias tribos berberes, que agora ameaçavam seriamente as áreas colonizadas.
Não necessitamos de nos preocupar
com Espanha, embora parte da sua costa a sul tenha sido recuperada por Justiniano
aos Visigodos e permanecido nas mãos bizantinas durante cerca de setenta anos. E
assim podemos levar o nosso viajante até Itália, onde o domínio de Justiniano fora
estabelecido, assente numa base um pouco duvidosa, depois de um período sangrento.
O país inteiro estava, então, numa situação terrível. O estado de guerra
contínuo entre Bizâncio e os Ostrogodos, que durou de 535 até 562, resultou na destruição
de Milão, com uma perda reputada em trezentos mil homens, o efectivo despovoamento
de Roma, a qual sofrera três cercos, e a fome generalizada no campo. A Itália tornou-se,
em toda a parte, ainda mais desprovida de homens do que a Líbia, escreveu
Procópio, talvez sem estar a cometer um grande exagero.
Quanto à composição da população,
não pode haver grande dúvida de que os Italiôtai, como Procópio lhes
chamava, eram basicamente latinos. Até na capital imperial de Ravena, que
mantinha relações próximas com o Oriente e numerosos colonos orientais, o latim
era o meio de comunicação normal. Alguns pequenos focos de grego poderão ter sobrevivido
na parte mais a sul da península, tendo certamente continuado a ser falado na
costa leste da Sicília. Existiam outros grupos minoritários, tais como os Judeus
e os recém-chegados Ostrogodos, mas os segundos dificilmente poderão ter ultrapassado
os cem mil. Muitas mais vagas de invasores e colonos haviam de vir sem, contudo,
alterar o carácter da população fundamentalmente latina.
Ao cruzar o Adriático, o nosso viajante
poderá ter desembarcado em Dirráquio e percorrido toda a Via Egnatia até Constantinopla.
As regiões que teria de atravessar eram, então, tão despovoadas como a Itália. Para
citar Procópio novamente:
A Ilíria e toda a Trácia, isto é,
toda a região desde o mar Jónio [o Adriático] até aos arredores de Bizâncio, incluindo
a Grécia e Quersoneso, foi invadida quase todos os anos pelos Hunos, os Eslavos
e os Anteus, desde que Justiniano se tornou imperador de Roma, causando imensos
estragos entre os habitantes dessas zonas. Com efeito, acredito que em cada
invasão mais de duzentos mil romanos terão sido mortos e capturados, para que um
verdadeiro deserto cítico, pudesse existir em toda esta terra».
In Cyril Mango, Bizâncio, O Império da
Nova Roma, 1980, Edições 70, 2008, ISBN 978-972-441-492-8.
Cortesia de E70/JDACT