sábado, 8 de dezembro de 2018

A Perseguição aos Judeus e Muçulmanos de Portugal. François Soyer. «No topo da estrutura administrativa das comunas dos judeus, e da sociedade judaica em Portugal, estava o rabi-mor, figura semelhante ao Rab Mayor de la Corte em Castela»

jdact

Manuel I e o fim da tolerância religiosa (1496 - 1497
Organização comunitária: judiarias, mourarias e comunas
«(…) Além do rabi-menor, cada comuna tinha também uma câmara de vereação, que se reunia na sinagoga principal e era constituída por um número variável de vereadores, procuradores e homens-bons. No reinado de Pedro I, cada comuna devia ter, em teoria pelo menos, três vereadores e dois procuradores, excepto Lisboa, que tinha doze e mais tarde oito. O rabi-menor e os vereadores eram eleitos anualmente e iniciavam as suas funções no Ano Novo judaico. Apenas em Lisboa eram eleitos para um mandato mais longo de três anos. Em todos os casos, porém, a sua eleição tinha de ser ractificada pela Coroa e, assim, o rei reservava o direito potencial de vetar qualquer nomeação. Este processo, aparentemente, estava muitas vezes sujeito a irregularidades. Documentos na chancelaria régia mostram que alguns rabis-menores eram nomeados directamente pela Coroa.
A câmara da comuna e os seus oficiais, como a câmara municipal cristã, eram responsáveis pela manutenção dos edifícios comunitários, como a sinagoga, e pela gestão das suas receitas. Cada comuna tinha o direito de criar as suas próprias leis e ordenações. Infelizmente, não sobreviveram em Portugal quaisquer estatutos comunais semelhantes aos instituídos por comunidades judaicas noutras partes da Península Ibérica e as fontes documentais disponíveis revelam muito pouco sobre a composição da câmara. Segundo as ordenações de Afonso V (1438-1481), que pretendiam impor uma prática uniforme, os nomes de judeus elegíveis deviam ser inscritos em bolinhas de papel (pelouros), de entre as quais seriam sorteados os oficiais da comuna, incluindo o rabi-menor. Este sistema de eleição parece ter sido idêntico àquele praticado nas câmaras cristãs de Portugal para eleger os funcionários municipais. Existem poucos dados que nos revelem o modo como os candidatos elegíveis eram escolhidos e parece que, nas grandes comunas judaicas, os artesãos mais humildes competiam com os mercadores ricos pelo controlo da administração da comuna. Uma pesquisa aos oficiais das comunas de Lisboa e de Évora mostra que um pequeno grupo de famílias ricas dominava o governo das mesmas.
Alguns funcionários menores eram nomeados para desempenhar funções governativas. Cada comuna tinha um tesoureiro, um escrivão que mantinha os registos oficiais da comuna e um ou mais tabeliões, autorizados pela Coroa a lavrar documentos legais. Embora estes cargos fossem normalmente desempenhados por judeus, a lei permitia que os mesmos também fossem desempenhados por cristãos. O número de tabeliões variava de acordo com a dimensão da comunidade. Nas últimas décadas do século XV, Lisboa tinha seis, Santarém e Évora tinham ambas três e o Porto dois. Outras comunas empregavam provavelmente um único tabelião. Cada tabelião pagava uma taxa à Coroa em troca do seu ofício e tinha de apresentar fiadores. Por fim, um funcionário especial, o almotacé, era por vezes encarregado de inspeccionar o mercado comunitário. Os outros funcionários das comunas judaicas eram os contadores dos feitos e custas e os procuradores de número.
No topo da estrutura administrativa das comunas dos judeus, e da sociedade judaica em Portugal, estava o rabi-mor, figura semelhante ao Rab Mayor de la Corte em Castela. Desde o reinado de Afonso Henriques, o rabi-mor era o líder inequívoco e incontestado das comunidades judaicas do Portugal medievo. O rabi-mor não era eleito pelos judeus, mas nomeado pela Coroa, e era normalmente um cortesão judeu que gozava das boas graças do rei. Era responsável perante o rei pela boa administração das comunidades judaicas em todo o reino e, em troca, representava também os interesses dos judeus portugueses na corte, funcionando como seu interlocutor junto do rei. Pouco se sabe das tarefas precisas e jurisdição do rabi-mor antes do fim do século XIV. Só com o foral concedido pelo rei Fernando I (1367-1383) ao rabi-mor Yehuda b. Menir em 1373, e com os documentos posteriores do reinado de João I (1384-1433), é que começa a surgir um quadro pormenorizado dos importantes deveres e poderes desse cargo. O foral emitido por Fernando I decretava que o rabi-mor devia visitar as comunas judaicas em Portugal e corrigir quaisquer injustiças feitas às mesmas e ouvir as queixas da população contra as autoridades comunitárias e aqueles judeus poderosos que não obedeciam aos funcionários da comuna. A jurisdição do rabi-mor abrangia todas as causas cíveis e criminais entre judeus e recursos contra as sentenças dos rabis-menores. O rabi-mor devia também confirmar a eleição anual dos rabis-menores em nome do rei e podia convocar representantes de cada comunidade para discutir a distribuição dos impostos régios entre as diferentes comunas do reino de acordo com a sua população e riqueza». In François Soyer, A Perseguição aos Judeus e Muçulmanos de Portugal, 2007, Edições 70, 2013, ISBN 978-972-441-709-7.

Cortesia de E70/JDACT