domingo, 30 de dezembro de 2018

A Perseguição aos Judeus e Muçulmanos de Portugal. François Soyer. «A distribuição geográfica das comunas muçulmanas e judaicas em Portugal era bastante diferente. No século XV, as comunidades judaicas já se haviam espalhado por todo o reino…»

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Manuel I e o fim da tolerância religiosa (1496 - 1497
Organização comunitária: judiarias, mourarias e comunas
«(…) O cargo mais importante exercido por um muçulmano na corte portuguesa medieval foi o de estribeiro-mor do rei. Um certo mestre Ali foi o estribeiro-mor de Afonso IV (1325-1357), que o enviou com embaixador ao sultão merínida de Marrocos em 1337-1338. No tempo do mesmo monarca, um médico da corte chamado mestre Ali (talvez o mesmo homem?), agindo em nome de todos os muçulmanos do reino procurou obter da Coroa a garantia de que esta respeitaria o direito dos muçulmanos de resolver as suas questões segundo as suas leis. No entanto, este parece ter sido um acordo informal entre o aparentemente influente Ali e os seus correligionários. Só no reinado de Afonso V é que houve uma tentativa de criar o cargo de um oficial responsável por todos os muçulmanos em Portugal. Com efeito, em 1451, Sa'id Caciz de Lisboa foi nomeado representante (requeredor sobliçitador procurador jerall) de todas as comunidades muçulmanas no reino. Não parece que este cargo se tivesse tornado uma instituição e não existem outras referências ao mesmo nos registos da chancelaria régia. Uma importante consequência da inexistência de um alcaide-mor era que os recursos contra as sentenças proferidas pelo alcaide das comunas tinham de ser intentados junto de um corregedor de comarca cristão e não junto de um magistrado muçulmano.

Demografia e distribuição geográfica
A distribuição geográfica das comunas muçulmanas e judaicas em Portugal era bastante diferente. No século XV, as comunidades judaicas já se haviam espalhado por todo o reino, desde a fronteira com a Galiza, a norte, às cidades do Algarve no sul. Estabeleceram-se comunidades judaicas em praticamente todas as municipalidades de Portugal. A sua dimensão era muito variável e, na maioria das cidades, o número da população judaica rondava provavelmente as dezenas e centenas, e não os milhares. A população judaica de Estremoz em 1462 era constituída por apenas 25 casas, comparadas com as 800 cristãs, enquanto um recenseamento da população masculina da região da Beira, realizado em 1496, regista um total de 2334 homens, incluindo 108 judeus, residindo na vila da Covilhã. Só nos centros económicos mais importantes do (a Crónica de Affonso XI, em castelhano, conta que, durante a guerra luso-castelhana de 1336-1339, Afonso IV de Portugal enviou o mestre Ali como seu embaixador ao sultão merínida de Marrocos, em l337,para tentar conseguir o apoio deste contra Castela) reino é que a população judaica devia atingir, ou mesmo ultrapassar, um milhar. Não existem números para as comunidades de Lisboa e Porto, mas estas eram, com certeza, as maiores, contando alguns milhares de indivíduos. Em 1496, os judeus de Santarém constituíam 400 casas.
As comunas muçulmanas, ao contrário das judaicas, situavam-se quase todas na metade sul do reino, precisamente no território que havia permanecido sob domínio muçulmano durante mais tempo. Documentos do século XIV confirmam a existência de comunas muçulmanas, ou pelo menos de comunidades muçulmanas organizadas, em Lisboa, Leiria, Alenquer, Santarém, Avis, Elvas, Estremoz, Setúbal, Alcácer do Sal, Évora, Moura, Beja, Silves, Loulé, Tavira e Faro. No século XV, as comunas de Alenquer, Avis e Estremoz deixam de aparecer em registos documentais. Não se sabe se estas comunas deixaram efectivamente de existir ou se simplesmente não constam dos registos oficiais ainda existentes.
A presença muçulmana em Leiria e Coimbra levanta algumas questões importantes. Um documento de 1303 refere-se a uma mouraria com uma mesquita em Leiria e a um indivíduo chamado Ibraim Alcayde. A comunidade muçulmana de Leiria seria, portanto, suficientemente numerosa para ter um local de culto designado e um alcaide. No entanto, não existem provas de que alguma vez tivessem tido uma comuna legalmente constituída. Parece que a importante cidade de Coimbra também tinha uma mouraria, pelo menos no século XIII, mas a sua população muçulmana nunca esteve organizada numa comuna. Um documento de 1433 confirma a presença de muçulmanos livres vivendo em Coimbra, pagando um imposto individual anual de 20 soldos.
Outras interrogações envolvem também a possível presença de muçulmanos nas vilas fronteiriças de Sabugal e Serpa. Os registos fiscais leoneses e castelhanos indicam a existência de comunidades muçulmanas organizadas e contribuintes nestas vilas em 1284-1285 e 1290. Depois de Castela ceder estes territórios a Portugal em 1297 , não existem mais informações relativas à existência de comunidades muçulmanas em qualquer destas vilas. Sabe-se que existiram algumas comunidades muçulmanas noutras partes do reino, mas os documentos ainda existentes não fornecem quaisquer informações sobre a sua organização ou importância numérica. Outros documentos revelam indícios de uma comunidade muçulmana nas pequenas vilas de Colares e Sintra. Em meados do século XIV, havia uma comunidade muçulmana no porto de pesca de Olhão, no Algarve, suficientemente organizada para ter um alcaide, mas mais nada se sabe acerca da mesma. Noutros documentos, ainda encontramos referências casuais a habitantes muçulmanos residindo em Cuba, Coina, Montemor-o-Novo, Campo Maior, Vila Viçosa, Vidigueira, Olivença, Óbidos, Muge, Castelo Branco e Abrantes. Se existiram populações muçulmanas no Norte de Portugal, o seu número nunca foi suficientemente importante para que as mesmas formassem as suas próprias comunas». In François Soyer, A Perseguição aos Judeus e Muçulmanos de Portugal, 2007, Edições 70, 2013, ISBN 978-972-441-709-7.
                                                                                                         
Cortesia de E70/JDACT