segunda-feira, 29 de julho de 2019

A Cal para Caiar o Universo. Ruy Ventura. «É só bem dentro de nós que o projecto se anuncia se retoma se reforma e se solta à luz do dia»

Cortesia de wikipedia e jdact

Cartas e quadras de Agostinho da Silva
«(…) Há uma antevisão do que é a polissemia de quem escreve. Quem escreve tem de admitir que pode não ser entendido, que pode ser lido de outra forma. Existe quase uma visão anárquica do pensamento, pois as peças não têm que estar coerentes, dado que a coerência é atribuída pelo leitor. Ainda em relação à questão de Deus como Poeta, o início de um poema seu sobre Fernando Pessoa é muito claro nas suas ideias:

O mito é o nada que é tudo
tem por mãe a poesia
e o grande poeta é Deus
o resto filosofia

mas Deus poeta e poema
em Pessoa se encarnou
profeta de Portugal
Lisboa o crucificou

Em toda a poesia de Agostinho, embora, como já referi, eu não seja um conhecedor de todos os meandros da sua obra, penso que existe uma grande valorização do imaginar, da criação de imagens, imagens essas que não têm de estar ligadas ao mundo concreto, mas são sobretudo fruto do pensamento humano, da racionalidade. Afirma:

A face oculta da lua
só banha de seu luar
aqueles que não o vendo
o sabem imaginar.

A realidade está para além do visível e do concreto, está sobretudo no imaginável. Quando o ser humano tenta tornar concreto aquilo que por natureza não o é, a realidade foge. Tem por exemplo uma quadra em que diz:

Em mim tenho o mundo inteiro
e mais que tudo as estrelas
é procurá-las no céu
o que me impede de vê-las.

É só bem dentro de nós
que o projecto se anuncia
se retoma se reforma
e se solta à luz do dia.

Procurar ver as estrelas é sinal de que elas fogem, pois são parte sobretudo do domínio da imaginação».

In Ruy Ventura, A Cal para Caiar o Universo, www.arquivors.com/ruy_acal.pdf, 2007, Wikipedia.

Cortesia de Wikipedia/JDACT