quinta-feira, 4 de julho de 2019

A cidade de Viseu nos Séculos XVII e XVIII. Arquitectura e Urbanismo. Liliana Castilho. « No século XVIII as muralhas encontravam-se ainda completas e todas as suas portas operacionais segundo referência do padre Leonardo Sousa nas suas Memórias Históricas….»

Cortesia de wikipedia e jdact

«(…) Os estrangeiros que entrassem na cidade sem licença estavam sujeitos a coima, vinte cruzados se entrarem sem fato e cinquenta se entrarem com fato, o que denota a ligação estabelecida à época entre a roupa contaminada e o risco de contágio:

quanto as pessoas que entrarem se fora com fato sem licença de qualquer calidade que sejam ou sem fato pagaram os que trouxerem fato cincoenta cruzados e o fato queimado e os guardas mores lhe não poderam moderar esta pena salvo em câmara com parecer dos vereadores e os que entrarem sem fato pagaram vinte cruzados sem apelaçam nem agravo.

As portas da cidade que se decretou continuarem abertas encerravam no entanto à noite, depois das trindades e abriam de novo apenas às sete da manhã (e que tivessem cuidado mandasem aos guardas das portas soba a ditta pena que não abram as dittas portas pella manham senão as sete oras da manham e a noute ate a trindade e fora destas senão posam abrir as dittas portas salvo com licença do guarda mor e mandaram que este acordo se apregoasse na ditta praça e nos mais lugares como de feito se apregoou). Em relação às restantes três foi determinado pela câmara que as demais portas e postigo desta cidade se tapasem todos de pedra e cal e por elas se não sirva ninguém. A muralha surge assim, como recurso perfeitamente operacional, gerido pela Câmara com o concurso da demais população, que permite defender a cidade de uma ameaça externa, invisível e quase imaterial neste caso, mas concretizada em todos os que fossem estranhos à urbe e a cuja presença convinha a todo o custo furtá-la.
Em 1646, quando João IV consagra o reino à Imaculada Conceição, o monarca mandou acoplar às principais portas da cidade (três destas portas coincidem com aquelas que haviam permanecido abertas em 1637, excepção feita à porta de S. Miguel que na altura havia sido encerrada, mantendo-se aberta a de Santa Cristina), a saber S. Miguel, Arco, Soar e Cimo de Vila a seguinte legenda ainda visível, nas duas remanescentes:

À Eterna Sagrada Immaculadissima Conceição de Maria prometeo publicamente d. João IIII Rey de Portugal juntamente com as Cortes gerais, seria tributário annualmente com os seos Reynos, e juntamente affirmou com juramento defenderia perpetuamente a mesma Mây de Deos ser perservada da culpa original, eleita perpetuamente Padroeira; e para que a piedade lusitana se conservasse nesta sua heróica resolução mandou lavrar nesta viva pedra este memorial perpetuo no anno Chrito de 1646 de seo Reynado sexto.

No século XVIII as muralhas encontravam-se ainda completas e todas as suas portas operacionais segundo referência do padre Leonardo Sousa nas suas Memórias Históricas e Chronológias dos Bispos de Viseu (sette portas dão patente entrada aos que a Vizeu concorrem e sendo todas formadas de gosto mourisco, mostram como tão bem os muros, sua grande antiguidade. Sobre cada huma das mais principaes que são a de S. Miguel, arco, Soar e Simo de Villa se lê no idioma latino gravado em grandes padrões a régia determinação que nas Cortes de Lisboa se assentou no anno de 1646 para tomar a Maria Santíssima Padroeira do Reino) e mantinham claramente a sua utilidade para a cidade. A sua importância é atestada pela postura camarária de 22 de Abril de 1739 em que se ordena que seja reconstruída a Porta de S. Sebastião, que se encontrava derrubada, ordenando que seja levantada quatro palmos para facilitar a circulação de veículos (nesta foi requerido pello Procurador da Camera que a porta do muro de S. Sebastiam se acha rubada e que requeria se puzese no estado antigo levantando se mais alto quatro palmos em termos que pudesem pasar as conduçoens e que fose notificado o almotase para mandar fazer a dita obra).
As Portas (segundo Bluteau porque pelas portas se traz, e se leva fora o que se quer. Porta he abertura na parede, ou muro de qualquer lugar fechado, e serve para entrar e sahir. As primeiras portas forão as das cidades, villas, e povoações assim para guardar os moradores delias, como para introduzir os mantimentos) da muralha simbolizavam não só os pontos de acesso à cidade, o espaço breve onde a linha de separação entre o espaço urbano e o não urbano podia ser quebrada, mas igualmente a charneira na cobrança de alguns impostos municipais. Nesse sentido, e de acordo com Bonet Corrêa, numa cidade as muralhas pertenciam à jurisdição militar e as portas à civil, o que justificou a permanência das segundas, mais do que das primeiras, aquando da perda do seu carácter funcional». In Liliana Castilho, A cidade de Viseu nos Séculos XVII e XVIII, Arquitectura e Urbanismo, Tese de Doutoramento em História da Arte apresentada à Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 2012.

Cortesia de FLUdoPorto/JDACT