domingo, 28 de julho de 2019

Cartas a Nora. James Joyce. «Eu devia começar pedindo-te perdão pela carta ordinária que te escrevi ontem à noite. Escrevi-a com a tua carta em frente a mim e de olhos grudados, como ainda estão agora, numa das suas palavras…»

jdact

Prólogo
[…]
«Nas cartas a Nora, Dublin aparece como a cidade do fracasso, do rancor e da desdita. O irlandês converte-se em sinónimo de traição: quando era maiss jovem teve um amigo a quem se deu por completo, em certo sentido mais do que se entregar, e num outro sentido menos. Era irlandês, e traíu-me. Também: a mim parece-me que aquela perda se estendeu à gente vulgar de Dublin, que a odiou e desprezou. Detestará o nacionalismo trasnochado, e os motivos não serão políticos. Sabe-se da sua simpatia pela causa de Parnell, na sua juventude, devido à influência paterna, muito disso se lê na sua conferência dada em Triestre…»
[…]


«27 de Novembro de 1909 sábado à noite
Caríssima Nora. Sigo hoje daqui a uns instantes para Belfast e tenho de perder a tua carta que deve chegar logo Volto amanhã e tornarei a escrever. Sonha comigo. Teu amante». Jim

«Dublin, 2 de Dezembro de 1909
Meu bem.
Eu devia começar pedindo-te perdão pela carta ordinária que te escrevi ontem à noite (nota: esta carta não foi encontrada). Escrevi-a com a tua carta em frente a mim e de olhos grudados, como ainda estão agora, numa das suas palavras. Há qualquer coisa de obsceno elibidinoso até nas próprias letras. Ela soa também como o acto mesmo, curta, brutal irresistível e diabólica. Meu bem, não te ofendas com oque escrevi. Tu me agradeces pelo lindo nome que te dei. Sim, querida, minha linda flor agreste das sebes! Minha flor azul-marinho, encharcada de chuva!, e um nome bonito. Como vês, ainda sou um pouco poeta. Vou dar-te também de presente um livro encantador e é um presente do poeta para a mulher amada. Mas, lado a lado e no âmago deste amor espiritual que tenho por ti há também um desejo bestial e bruto por todos os pedacinhos de teu corpo todas as partes secretas e vergonhosas dele, pelos cheiros todos dele e por tudo que ele faz. Meu amor por ti me leva a orar ao espirito de ternura e de beleza eterna de que teus olhos são o espelho ou a te derrubar debaixo de mim sobre esta tua barriga macia e te fo… por trás, como um cerdo cobrindo a sua fêmea, incensado com o próprio fedor e suor que saem do teu ânus, incensado com a vergonha patente do teu vestido levantado e as calças brancas de menina e com a confusão das tuas faces enrubescidas e teu cabelo emaranhado. Isso me faz romper em lágrimas de piedade e amor por qualquer palavrinha, tremer de amor por ti ao som de algum acorde ou cadência musical ou ao deitar-me contigo pé com cabeça sentindo teus dedos a acariciarem e fazerem cócegas no meu saco ou enfiados em mim por trás e os teus lábios quentes enquanto minha cabeça está inserida entre as tuas coxas gordas, com as mãos grudadas nos coxins redondos da tua nádega, eu lambo com voracidade a tua co… vibrante e vermelha. Ensinei-te a quase desmaiar quando ouves a minha voz cantando ou murmurando à tua alma a paixão e a tristeza e o mistério da vida e ao mesmo tempo ensinei-te a fazer meiguice indecente com a língua e os lábios, a excitar-me por meio de toques e ruídos obscenos, e até a fazer na minha presença o acto mais sujo e vergonhoso do corpo. Lembra-te do dia em que levantaste a roupa e me deixaste ficar deitado por baixo de ti vendo-te fazê-lo? Depois ficaste com vergonha de me olhar nos olhos. És minha, querida! Eu te amo. Tudo que acabo de escrever é somente um ou dois momentos de loucura brutal. A última gota de sêm…mal esguichou pela tua vulva adentro antes de chegar ao fim e o meu verdadeiro amor por ti, o amor de meus versos, o amor de meus olhos pelos teus olhos estranhos e tenta dores sopra sobre minha alma como um sopro descendente. Ainda estou quente e palpitante do último ataque brutal que te fiz e já se ouve um hino em surdina que se eleva como devoção terna e apiedada por ti dos compartimentos sombrios do meu coração. Nora, meu amor leal, minha colegial travessa de olhar lânguido, minha pu…, minha amante, tanto quanto queiras (minha amantezinha, minha puti…!) serás sempre minha linda flor agreste das sebes, minha flor azul-marinho encharcada de chuva». Jim

In James Joyce, Cartas a Nora, 1902-04, Relógio d’Água, 2012, ISBN 978-989-641-326-2.

Cortesia de Rd’Água/JDACT