segunda-feira, 8 de julho de 2019

Obra Poética Reunida (1950-1996). Hilda Hilst. «Vivia a dissolvência da paixão. O capim calcinado das queimadas tinha o cheiro da vida, e os atalhos…»

Cortesia de wikipedia e jdact

Amavisse
[…]
Aquele fino traço de colina
Quero trancar na cancela
Da alma. Alimento e medida
Para as muitas vidas do depois.

Curva de um devaneio inantigido
Um todo estendido adolescente
Aquele fino traço da colina
Há-de viver na paisagem da mente

Como a distância habita em certos pássaros
Como o poeta habita nas ardências.

Guardo-vos manhãs de terracota e azul
Quando o meu peito tingido de vermelho

Vivia a dissolvência da paixão.
O capim calcinado das queimadas
Tinha o cheiro da vida, e os atalhos
Estreitos tinham tudo a ver com o desmedido
E as águas do universo se faziam parcas
Para afogar meu verso. Guardo-vos, iluminadas
Recedentes manhãs tão irreais no hoje
Como fazer nascer girassóis no topázio
E dos rubis, romãs.

Amor chagado, de púrpura, de desejo
Pontilhado. Volto à seiva de cordas
Da guitarra, e recheio de sons o teu jazigo.
Volto empoeirada de vestígios, arvoredo de ouro
Do que fomos, gotas de sal na planície do olvido
Para recender a tua fome.
Amor de sombras de ocasos e de ovelhas.
Volto como quem soma a vida inteira
A todos os outonos. Volto novíssima, incoerente
Cógnita
Como quem vê e escuta o cerne da semente
E da altura de dentro já lhe sabe o nome.

E reverdeço
No rosa de umas tangerinas
E nos azuis de todos os começos.
[…]

Hilda Hilst, Obra Poética Reunida (1950-1996), 1998, organização Costa Duarte, Literatura brasileira século XX, Wikipédia.

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