segunda-feira, 8 de julho de 2019

Bonus Rex ou Rex Inutilis. José Varandas. «Quando no ano de 1223, Sancho II, sobe ao trono, esta contestação estava, mais do que nunca, activa. Do conjunto de fontes e informações…»

Cortesia de wikipedia e jdact

As Periferias e o Centro. Redes de poder no reinado de Sancho II (1223-1248)

Com a devida vénia a José Varandas

«(…) Mas, a prazo, a eficiência demonstrada por algumas monarquias no controlo da sua economia e a dinâmica que as novas legislações dão aos espaços e cidades em expansão, modificam o tradicional sistema de obediência. Cada vez mais o Estado, através do mero exercício do seu poder, substitui a Igreja nas relações com os governados. Assistimos, em muitos países, à introdução de novos modelos de governação, sustentados pela elaboração de um quadro legal com tendências mais generalistas e por um corpo de oficiais régios que passam a controlar o normal exercício do poder central em todas as regiões do reino. Modifica-se a velha ordem. As esferas de influência regional que muitas vezes asfixiavam e limitavam o poder dos monarcas em séculos anteriores são substituídas por uma nova noção de espaço governado. O rei governa um regnum, que estende de forma contínua até às fronteiras. O Centro assume-se cada vez mais sobre as periferias através da Lei, que emanada da Cúria e movimentada por oficiais e tabeliães desses reinos cristãos garante um controlo do espaço e das actividades nele desenvolvidas cada vez mais apertado. Na Península Ibérica, os reinos cristãos em expansão são um excelente laboratório para estas modificações. As novas ideias, trazidas para a corte portuguesa por eclesiásticos licenciados em universidades europeias serão decisivas no desenvolvimento e aplicação das políticas centralizadoras de monarcas como Afonso II, Sancho II e Afonso III.
O velho sistema medieval tinha grande dificuldade em assistir impassível e em assimilar as novas transformações que rodeavam o modelo de poder. Conhecemos o século XIII como o período onde o Direito se desenvolveu na Europa medieval. Estava em causa um novo conceito de poder, suportado por um quadro legislativo específico e bem construído. Cada vez mais se tornava difícil a existência de perspectivas diferenciadas sobre os sistemas políticos e a sua governação como acontecera anteriormente. Não havia lugar para a tolerância e para a harmonização de pensamentos diferenciados. Assim se passava com a Igreja, onde os pensamentos dissonantes eram catalogados como heresias. Assim era com a laicização do Estado. A definição do Estado e dos seus direitos, o novo modelo de organização política e social fazia com que muitos fossem forçados a escolher entre serem leais ao Estado ou à Igreja. A definição dos poderes do soberano e o desenvolvimento de modelos teóricos que enquadravam uma nova realidade política forçavam naturalmente a essa escolha.
O retrato da Península Ibérica durante a primeira dinastia portuguesa é bem vincado pela ameaça constante do poder militar muçulmano, o que obrigou a um estado de guerra permanente, onde o rei se torna no chefe militar incontestado, coordenador máximo da guerra contra um inimigo comum, ao mesmo tempo que líder político cada vez mais enraizado e determinante na acção política dentro do seu território. Senhor, por direito próprio, do esforço da Reconquista, acção fortalecedora do poder da Coroa, o rei português, contudo, viveu ao longo de todo o século XIII, momentos difíceis, motivados por contestações, mais ou menos explicitas, dos grupos nobiliárquicos e de outros sectores da sociedade portuguesa, que desde o governo de Afonso I, se perfilam contra a monarquia.
Quando no ano de 1223, Sancho II, sobe ao trono, esta contestação estava, mais do que nunca, activa. Do conjunto de fontes e informações, ideologicamente bem corporizadas, que até nós chegaram, percebe-se a existência de uma forte crise política, institucional e social ao longo de todo o seu reinado, resultado de opções mais centralizadoras desenvolvidas por seu pai, Afonso II e que a incapacidade funcional de Sancho II parece acentuar. Este estudo visa, sobretudo, um conhecimento mais profundo e detalhado da dinâmica das relações políticas entre o Centro, o rei, o espaço detentor do poder e as periferias que o compõem, complementam e estimulam. Neste enquadramento interessa-nos o comportamento entre essas realidades, por exemplo, entre a nobreza e o rei, nomeadamente a tipologia de funções curiais que a primeira desempenhava, juntamente com uma sistemática observação sobre o fenómeno de estatuto de património dos cargos administrativos realizado pela aristocracia portuguesa». In José Varandas, Bonus Rex ou Rex Inutilis, As Periferias e o Centro. Redes de poder no reinado de Sancho II (1223-1248), Ude Lisboa, FdeLetras, DdeHistória, Tese de Doutoramento em História, História Medieval, 2003, Wikipedia.

Cortesia de Ude Lisboa/ FdeLetras/ DdeHistória/JDACT