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Quando eu não te tinha
«(…)
Talvez quem vê bem não sirva para sentir
E não agrade por estar muito
antes das maneiras.
É preciso ter modos para todas as
cousas,
E cada cousa tem o seu modo, e o
amor também.
Quem tem o modo de ver os campos
pelas ervas
Não deve ter a cegueira que faz
fazer sentir.
Amei, e não fui amado, o que só
vi no fim,
Porque não se é amado como se
nasce mas como acontece.
Ela continua tão bonita de cabelo
e boca como dantes,
E eu continuo como era dantes,
sozinho no campo.
Como se tivesse estado de cabeça
baixa,
Penso isto, e fico de cabeça alta
E o dourado do sol seca as
lágrimas pequenas que não posso deixar de ter.
Como o campo é grande e o amor
pequeno!
Olho, e esqueço, como o mundo
enterra e as árvores se despem.
Eu não sei falar porque estou a
sentir.
Estou a escutar a minha voz como
se fosse de outra pessoa,
E a minha voz fala dela como se
ela é que falasse.
Tem o cabelo de um louro amarelo
de trigo ao sol claro,
E a boca quando fala diz cousas
que não há nas palavras.
Sorri,
e os dentes são limpos como pedras do rio.
O pastor amoroso perdeu o cajado,
E as ovelhas tresmalharam-se pela
encosta,
E, de tanto pensar, nem tocou a
flauta que trouxe para tocar.
Ninguém lhe apareceu ou
desapareceu... Nunca mais encontrou o cajado.
Outros, praguejando contra ele,
recolheram-lhe as ovelhas.
Ninguém o tinha amado, afinal.
Quando se ergueu da encosta e da
verdade falsa, viu tudo:
Os grandes vales cheios dos
mesmos vários verdes de sempre,
As grandes montanhas longe, mais
reais que qualquer sentimento,
A realidade toda, com o céu e o
ar e os campos que existem,
E
sentiu que de novo o ar lhe abria, mas com dor, uma liberdade no peito».
In
Alberto Caeiro, O Pastor Amoroso, digitalizado por Eduardo Lopes O. Silva, Rio
de Janeiro, 2006, Wikipedia.
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