terça-feira, 30 de julho de 2019

A Rainha Liberdade. A Guerra das Coroas. Christian Jacq. «Embora o almirante Jannas estivesse sempre ocupado com os piratas nas Cíclades e a revolta dos tebanos ainda não controlada, a entrega dos tributos realizava-se em Auaris, de acordo com o cerimonial habitual»

Cortesia de wikipedia e jdact

«(…) O governador Emheb saberá manter a frente. Eu quero partilhar a morte do meu marido. Majestade, não me atrevo a compreender... Devo penetrar na Morada da Acácia e ninguém me impedirá de o fazer. Já eram apenas três. Três velhas sacerdotisas que formavam a comunidade das reclusas da Morada da Acácia, votada a um desaparecimento certo se a Rainha Ah-hotep não lhes tivesse assegurado casa e comida para que elas transmitissem o seu saber. Ah-hotep sentou-se com elas junto de uma acácia de temíveis espinhos. A vida e a morte estão nela revelou a Superiora. É Osíris que lhe dá a sua verdura, e é no interior da colina de Osíris que o sarcófago se transforma numa barca capaz de vogar no universo. Se a acácia morrer, a vida abandona os vivos até que o pai ressuscite no filho. Isís cria um novo Faraó, cura os ferimentos infligidos por Set e a acácia cobre-se de folhas. A profecia era clara: Kamés tornar-se-ia Rei. Mas Ah-hotep exigia mais. Possa o meu espírito permanecer eternamente ligado ao de Seken para além da morte. Visto que a morte nasceu respondeu a Superiora morrerá. Mas o que era antes da criação não é afectado pela morte. Nos paraísos celestes, não existe medo nem violência. Justos e antepassados comunicam com os deuses.
Como posso entrar em contacto com Seken? Faz chegar até ele uma mensagem de acordo com o teu coração. E se ele não me responder? Que o deus do destino vele pela Rainha do Egipto. Era o único objecto de grande valor que Ah-hotep possuía: um porta-pincéis de madeira dourada, incrustado de pedras semipreciosas. Tinha a forma de uma coluna e nele estava inscrito: a Rainha é amada por Tot, o senhor das palavras divinas. Num papiro novo, Ah-hotep escreveu em belos hieróglifos uma carta de amor ao seu defunto marido, suplicando-lhe que afastasse os maus espíritos e agisse em favor da libertação do Egipto. Implorava que lhe respondesse a fim de lhe provar que estava realmente ressuscitado. Ah-hotep prendeu a missiva a um ramo da acácia. Depois, com argila, modelou uma estatueta de Osíris estendido no seu leito de morte que depositou ao pé da árvore. Por fim, cantou acompanhando-se com a harpa portátil a fim de que as ressonâncias garantissem à alma de Seken uma viagem harmoniosa no Além. Mas responder-lhe-ia o homem que ela amava?
Embora o almirante Jannas estivesse sempre ocupado com os piratas nas Cíclades e a revolta dos tebanos ainda não controlada, a entrega dos tributos realizava-se em Auaris, de acordo com o cerimonial habitual. Apopis apreciava aquele momento em que os embaixadores, vindos de todas as províncias do Império, se inclinavam profundamente diante dele e lhe ofereciam uma impressionante quantidade de riquezas. Ao contrário dos antigos Faraós, guardava para si a maior parte em vez de a colocar de novo no circuito comercial. Braço direito implacável do Imperador, Khamudi não se esquecia de se servir largamente, com a bênção do seu senhor, cuja segurança garantia. Cabelos muito negros colados ao crânio redondo, olhos ligeiramente rasgados, mãos e pés gorduchos, ossatura pesada, Khamudi engordava cada vez mais desde que fora nomeado grande tesoureiro. Aquele que os seus escravos chamavam Agarra-tudo ou Sua Suficiência recebia uma percentagem de todas as operações comerciais importantes, depois de ter tomado o controlo sobre a exploração dos papiros no Delta.
A sua única distracção consistia em entregar-se às piores perversidade sexuais com o contributo de Yima, a sua loira e exuberante esposa, de origem cananeia. Também aí, Apopis, que pretendia no entanto ser austero e moralista, fechava os olhos. E fechá-los-ia durante todo o tempo em que Khamudi se mantivesse no seu lugar, o de segundo. Como todos os anos, os armazéns de Auaris enchiam-se de ouro, pedras preciosas, bronze, cobre, diversas essências de madeira, tecidos, jarros de óleo e de vinho, unguentos e muitas outras riquezas que asseguravam à capital do Império a sua inegável prosperidade. Quando o embaixador de Creta, envergando uma túnica decorada com losangos vermelhos, avançou para o Imperador, Khamudi tocou no punho da sua adaga e fez um sinal aos seus archeiros. Ao mínimo gesto suspeito do diplomata, tinham ordem para o abater». In Christian Jacq, A Rainha Liberdade, A Guerra das Coroas, ISBN 978-852-861-216-5, Bertrand Editora, 2006, ISBN 978-972-251-281-7.

Cortesia de BEditora/JDACT